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Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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Esta é a terceira parte do especial “A Scania e a ditadura brasileira” de Opera Mundi, composto de três reportagens. Leia também as outras reportagens:

– Parte 1: Em apoio à ditadura, Scania agiu na Suécia para impedir que bispo brasileiro recebesse Nobel da Paz
– Parte 2: Scania incluiu trabalhadores de greve liderada por Lula na ‘lista suja’ e colocou espião em assembleias

A greve de 1978 na Scania acirrou a vigilância e repressão aos trabalhadores. A empresa, que colaborou com o golpe militar desde seu início, em 1964, acionou novos mecanismos de segurança interna, que incluíram, entre outros, a violação de armários dos empregados. Como resultado dessa busca, está documentada uma história curiosa, encontrada em pesquisas para o livro-reportagem Repressão Sociedade Anônima, sobre a parceria das empresas metalúrgicas multinacionais do ABC paulista e os banqueiros com a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), que será lançado nas próximas semanas pela Alameda Editorial.

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Segundo o informe nº 14 do Serviço Nacional de Informações (SNI) de 08/06/1978, no dia 19 de maio de 1978, num dos armários, utilizado pelo metalúrgico José Francisco Bilodre, contratado na Scania como “fresador Gleason” em 26 de maio de 1975.

Os “elementos de segurança” da Scania encontram um bilhete escrito em inglês com os seguintes dizeres: “Good nigth – goes stoped monday, day 15” (Boa noite – vai parar na segunda, dia 15). A mensagem foi associada ao 15 de maio de 1978, uma segunda-feira, embora a greve tenha começado na sexta anterior, dia 12.

José Francisco Bilodre

Na documentação encontrada, ele é descrito como “elemento visado dentro da firma” por, entre outras coisas, ter servido na Marinha e ser amigo do Cabo Anselmo, sendo ele mesmo chamado de “Marinheiro” na empresa. José Anselmo dos Santos (1942-2022), o cabo Anselmo, foi um agente infiltrado das forças de repressão do governo militar que coletava e fornecia aos militares informações para capturar opositores e, apesar do apelido, não era cabo.

Assim, “Marinheiro” ou José Francisco Bilodre foi considerado pelos órgãos de repressão e pelos seguranças da Scania como uma liderança no setor. Falava com desembaraço, “demonstrando ser bastante politizado”; tinha ideias que demonstram ser “elemento de tendências comunistas”; além de ter tentado “envolver um dos elementos de segurança, chegando mesmo a oferecer-lhe livros que tem em sua residência que são por ele [Bilodre] denominados de ‘livros quentes’”.

Veja | ‘Scania deve desculpas e indenização por apoio à ditadura brasileira’, diz representante de acionistas alemães

A ficha corrida do operário elaborada pela polícia política com informações da Scania faz também análise social ao apontar que ele fez parte da “SOCIEDADE DE BAIRROS” do local e da “ASSOCIAÇÃO DE PAIS E MESTRES”; e possui casa própria “demonstrando um status não condizente com a sua situação de operário”.

Consta ainda que, numa visita do então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luiz Inácio Lula da Silva, à empresa durante a greve, “em que tentava um ‘acordo´”, Bilodre, aproveitando um silêncio momentâneo, falou em altas vozes: “‘o pão aumenta amanhã, o salário não’. Ato contínuo, o grupo que o cercava começou em palmas ritimadas (sic) gritar: ‘para, para, para’.”

Bilhete encontrado no armário de José Francisco Bilodre, em maio de 1978
Reprodução

Caso de Bilodre

A localização do bilhete em inglês dentro do armário de Bilodre está registrada em boletim de ocorrência da Delegacia Seccional de Polícia do ABCD, pelo delegado-assistente Nivaldo José Squilacci Leme. Leme tomou depoimentos dos supervisores de segurança Mauro Rodrigues Leite e Domingos Marcos Perrone e do vigilante Sebastião Caetano. Os três confirmaram que o bilhete foi encontrado no bolso do uniforme do metalúrgico dentro do seu armário e entregue ao engenheiro Sidney Vieira de Carvalho. Essa delegacia era uma filial do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) na região do ABC paulista, onde presos eram torturados e vários perderam a vida.

O caso Bilodre ganhou destaque dentro do órgãos de repressão. Da Delegacia Seccional de Polícia do ABCD seguiu para o gabinete do diretor-geral de Polícia/DOPS, Romeu Tuma, e foi para a delegacia de Sindicatos e Associação de Classes, também ligada ao DOPS. Tuma e a Delegacia de Sindicatos solicitaram à Seccional as declarações de Bilodre e todo o “material gráfico do mesmo”.

O processo foi formado e seguiu acompanhado de todos os dados de Bilodre, desde sua solicitação de emprego na Scania até os cursos que realizou, nome da esposa, dos dependentes, endereço da residência e bens que possuía.

Curiosamente, em 28 de julho de 1978, chegou uma ordem do próprio DOPS, assinada pelo delegado titular da Delegacia de Sindicatos e Associações de Classe, Orlando Domingues Jerônymo, para evitar o “envolvimento policial do investigado”, informando que a perícia já havia constatado que a letra das palavras do bilhete não pertencia ao operário, o que levava à “desnecessidade” de realização de diligências.

Leia | Acionistas da Scania alemã pedem investigação sobre colaboração da empresa com ditadura brasileira

Relação com Cabo Anselmo

José Francisco Bilodre faleceu em 27 de novembro de 2022 aos 82 anos, aposentado pela empresa Equipamentos Villares. Vivia na pequena Cajobi, cidade do interior de São Paulo. Sua convivência com Cabo Anselmo foi confirmada por ele mesmo na página de Facebook da EAM-Ba, a comunidade dos ex-alunos da Escola de Aprendizes-Marinheiros (EAM) da Bahia.

“Fui aprendiz de marinheiro na Turma Alfa de 1.958. De todos os aprendizes eu era o único procedente de São Paulo e quem fez parte da turma foi o famoso José Anselmo dos Santos, que na revolução de 64 ficou famoso como CB Anselmo. Que era de Sergipe”, escreveu Bilodre em 2013.

Carlos Aberto Júnior, idealizador, diretor e roteirista do documentário Em busca de Cabo Anselmo, que por anos pesquisou a vida, entrevistou e acompanhou o protagonista do filme, afirma desconhecer Bilodre, e que Anselmo nunca mencionou o nome.

Por muito tempo a figura de Cabo Anselmo foi tida como opositora do golpe militar de 1964, até que se conheceu seu verdadeiro papel de infiltrado nos grupos de esquerda, agente da repressão e responsável pela prisão, tortura, morte e desaparecimento de muitos militantes. Ele morreu em 2022 aos 80 anos de idade, em Jundiaí, interior de São Paulo.

A filha de João Francisco, Teresa Bilodre, chegou a falar sobre o pai. Narrou o que sabia de sua trajetória, mas não confirmou o desejo de dar uma entrevista oficialmente. Segundo relatos, Bilodre de fato teria protestado na assembleia com a presença de Lula, como descreve o SNI. Mas não falava inglês.

Ele foi demitido da Scania e não figura na “Lista Suja” da empresa. A demissão está registrada no informe 320/78 de 4 de agosto de 1978 do Ministério da Indústria e do Comércio – Divisão de Segurança e Informações, junto com a do controlador de peças Antônio Cássio Portugal Gomes, por “vinculações na área de subversão”.

Apoio internacional

A amplitude e repercussão da greve de 1978 na Scania trouxe para o Brasil jornalistas e sindicalistas suecos que também entraram na mira do aparato repressivo da ditadura. Esses últimos produziram um livro, que o Serviço Nacional de Informações se ocupou em traduzir e consta no documento 019.1 (Infão 482/DSI/MIC/78”. ) de 24 de abril de 1979.

Intitulado O Brasil – apoie (ou apoiemos, já que há rasura na última sílaba) a luta sindical pela Democracia – um relatório sobre luta sindical e empresas suecas no Brasil, o material é apresentado como base para “estudos e reuniões”, editado a pedido do Svenska I’etnllindusiriarbetarefõrbundet (o sindicato dos metalúrgicos daquele país) e assinado por Rolf Jansson e Jan Olsson.

Jornalistas suecos vieram ao Brasil para registrar as condições dentro da montadora < br / > Reprodução

Além da tradução, o material da arapongagem expõe as páginas da obra sueca e lamenta “a interferência alienígena indesejável” dos sindicalistas suecos no movimento operário do Brasil, “na medida em que os sindicatos nacionais em a adotar padrões de comportamento semelhantes aos do modelo socialista existente na Suécia”.

A publicação original no país escandinavo é abrangente sobre a realidade social, política e econômica do Brasil em 1978. Especificamente no caso Scania, informa que no ano de 1978 trabalhavam ali cerca de 3.100 pessoas, nenhuma mulher, com um índice de sindicalização de 30% (embora outros dados apontem para 50%, bem acima da média na categoria, de 25%). Não escapa aos autores que, de modo geral, as empresas tinham suecos nos postos mais altos e brasileiros nas chefias, e que eles eram, via de regra, todos brancos.

No item “A opressão nas empresas” a alusão à ditadura militar é precisa: “o modelo social brasileiro reina também nas empresas”. Embora sem identificação pessoal ou de empresa, um dos chefes entrevistados diz que “ (…) todo o tempo é necessário vigiá-los [os operários]… Isto faz com que, muitas vezes, tenhamos que nos atribuir tarefas puramente policiais”. Nem o entrevistado nem os autores, porém, vinculam a vigilância ostensiva ou o modelo policialesco à atividade sindical e/ou política, e sim à “falta de experiência” dos brasileiros com o trabalho na indústria.

Seja como for, antecipam as consequências da greve de 1978: “(…) alastrou-se rapidamente para outras empresas automobilísticas (…) Mais de cem mil trabalhadores aderiram depois ao protesto estritamente disciplinado. Muitos recearam que a polícia e os militares, de modo tradicional, viessem a esmagar a greve. Mas o Governo ficou sem ação diante da atitude decidida dos trabalhadores (…) O respeito à legislação trabalhista do Governo nunca mais será o mesmo. Pois, em última análise, a greve se referia ao direito de exercer atividades sindicais, e esta deu a esperança de uma modificação política no Brasil. O que aconteceu na empresa automobilística sueca Saab-Scania, em maio de 1978, terá significado para o desenvolvimento futuro do Brasil”.

Outro documento do Ministério do Exército (Informa 953) registra a vinda de sindicalistas suecos no ano de 1983: Bjorn Svallfors, presidente do Clube Sindical dos Horistas da Saab Scania; Ingmar Franzen, presidente do Clube Sindical dos Mensalistas da Saab Scania; Boo Johnsson, gerente do departamento de Pessoal Horista da Saab Scania, e Rune Carmstad, gerente de engenharia industrial da Saab Scania.

A informação é que se encontraram com os sindicalistas do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo José Henrique Mendes e Gilberto Castanho “ambos funcionários da Scania, que se encontram suspensos e estão sendo processados pela filial brasileira em face da participação na greve, invasão e depredação da Scania em Jan. de 83”, intercedendo para que a diretoria brasileira retirasse a suspensão e o processo contra os dois, “sendo certo que a mesma deverá atender a essas pressões”. Eles também visitaram a prefeitura de Diadema para conhecer a istração de Gilson Menezes, líder da greve de 1978.

A Scania informou através de nota enviada por sua assessoria de comunicação que “a empresa repudia qualquer tipo de violação aos Direitos Humanos e reforça que atua alinhada às melhores práticas globais de governança corporativa”.