'Não há palavras que possam descrever situação de Gaza', diz dirigente do Hamas a Opera Mundi
Jornalista Breno Altman conversou com Basem Naim sobre negociações para alcançar um cessar-fogo com Israel e tentativas de unidade entre palestinos
“Você não encontra em nenhum dicionário em todas as línguas do mundo as palavras apropriadas para descrever o desastre ou catástrofe humanitária na Faixa de Gaza”. A fala é de Basem Naim, um dos principais dirigentes do grupo palestino Hamas.
A afirmação de Naim ocorreu durante a entrevista exclusiva concedida ao fundador de Opera Mundi, Breno Altman, numa edição especial do programa 20 MINUTOS:
Segundo ele, o governo israelense de Benjamin Netanyahu “fracassou em esmagar” a resistência palestina e na recuperação dos soldados de Tel Aviv capturados. E, por isso, “decidiram usar a fome, inanição e desnutrição como armas de guerra”.
“Estamos falando de mais de 70 dias sem comida, sem remédios e sem combustível. Mesmo dentro da Faixa de Gaza, os israelenses sempre destruíram os poços de água, clínicas, hospitais, armazéns de alimentos que ainda estavam lá. Eles atacaram abrigos e casas seguras. E, portanto, estamos falando de uma verdadeira inanição, um verdadeiro desastre”, afirmou.
Naim também comentou sobre a negociação entre o Hamas e o governo Trump para a libertação do soldado israelense-americano Edan Alexander. De acordo com o dirigente, abrir conversas com os Estados Unidos poderia ser um “gesto” ao republicano para a possibilidade de um avanço no acordo de cessar-fogo.
Veja trechos da entrevista de Breno Altman com Basem Naim (para assistir a entrevista, clique aqui):
Breno Altman: Dr. Naim, como você descreveria a atual situação humanitária e militar em Gaza desde que Israel rompeu o cessar-fogo em 19 de março?
Basem Naim: muito obrigado. Acho que você não encontra em nenhum dicionário em todas as línguas do mundo as palavras apropriadas para descrever o desastre humanitário ou catástrofe humanitária na Faixa de Gaza. Israel, infelizmente, tem gozado de impunidade ao longo dos anos e decidiu, após o fracasso em alcançar seus objetivos esmagando a resistência ou forçando deslocamento de palestinos da Faixa de Gaza ou na recuperação dos soldados israelenses capturados. Depois de terem falhado, decidiram usar a fome, a inanição e a desnutrição como armas de guerra.
Portanto, no dia 2 de março, eles fecharam totalmente todas as fronteiras da Faixa de Gaza. Cerca de 2,3 milhões de palestinos, habitantes de Gaza, foram privados ao longo destes dias. Agora estamos falando de mais de 70 dias sem comida, sem remédios e sem combustível. Mesmo dentro da Faixa de Gaza, os israelenses sempre destruíram os poços de água, clínicas, hospitais, armazéns de alimentos que ainda estavam lá. Eles atacaram abrigos e casas seguras. E, portanto, estamos falando de uma verdadeira inanição, um verdadeiro desastre. Vimos pessoas que estão morrendo de desnutrição, não por causa dos ataques aéreos israelenses. Elas estão morrendo de fome, especialmente crianças e pessoas doentes. E, mais uma vez, a situação é tão catastrófica que não se consegue realmente ou não pode ser fácil descrevê-la.
Pelo que sei, você esteve diretamente envolvido nas negociações para libertação do refém israelense-americano, Edan Alexander. Quem tomou a iniciativa? Quais foram as principais condições e as motivações por trás da decisão do Hamas de libertar este refém através de negociações diretas com o governo Trump?
Em primeiro lugar, obrigado por esta pergunta, mas preciso corrigir uma coisa. Todos os meios de comunicação ao redor do mundo estão falando sobre reféns, mas estamos falando sobre um soldado que estava em um tanque ou que era um atirador de elite perto de nossas fronteiras ou dentro dos nossos territórios que estavam matando palestinos e destruindo casas. Quero dizer, ele não foi sequestrado da sua casa. Ele era um soldado. E, especialmente Edan Alexander, ele era um atirador de elite.
De qualquer forma, e nós temos, a propósito, mais de 15 mil palestinos, incluindo crianças, mulheres, adolescentes e pessoas doentes, que estão ando pelas terríveis condições humanitárias dentro das prisões israelenses. Tortura, assédio sexual, negando também as necessidades e direitos básicos.
Antes da visita do presidente Trump a esta área, estávamos presos nas negociações, porque oferecemos através dos mediadores uma abordagem abrangente, pois tínhamos dito aos mediadores para que eles pudessem dizer aos israelenses: ‘estamos prontos para entregar todos os soldados israelenses capturados que estão em nossas mãos’.
Em troca disso, receberemos alguns dos nossos prisioneiros, mas queremos ter certeza de que isso levará ao fim desta guerra, cessar-fogo permanente, retirada total das forças israelenses. Infelizmente, os israelenses rejeitaram essa proposta. Quero dizer, eles estão conversando dia e noite sobre seus, entre parênteses, “reféns” e querem recuperá-los.
Portanto, houve conversas e negociações entre os mediadores e os norte-americanos: o que podemos fazer para conseguir um avanço? E conosco foi negociado que talvez fazer um gesto para o presidente Trump na frente dele, antes de sua visita à área, libertando Alexander Edan, o soldado, o soldado binacional, isso poderia mobilizar ou fazer avançar os assuntos.
E, assim, houve um acordo ou entendimento. Foi um acordo entre nós e os norte-americanos através de conversas diretas que, se libertássemos Alexander, o presidente Trump agradeceria o Hamas por este gesto e obrigaria Israel a, no segundo dia, abrir as fronteiras e permitir a entrada em Gaza e pedir negociações imediatas para um cessar-fogo permanente. Essas foram as motivações do nosso lado para darmos esse o.
O Hamas recebeu algum compromisso específico ou garantias dos Estados Unidos como parte deste acordo?
Não, não, eles não estiveram envolvidos nessas negociações.
Que medidas o Hamas está tomando para promover a reconciliação política palestina e a união com a Fatah e outras facções?
Infelizmente, os palestinos estão divididos e normalmente ficamos tristes ao falar sobre as divisões entre palestinos, especialmente em público e na mídia internacional, mas apenas para esclarecer: desde o primeiro dia após a divisão em 2007, apesar de termos sido eleitos pelo governo, fomos eleitos e nós obtivemos uma vasta maioria no Parlamento.
Nós dissemos: ‘OoK, estamos prontos para compartilhar o poder com todas as facções para formar um governo de unidade’. Mas isso falhou naquela época. Então nos reunimos com outros partidos, principalmente agora a Fatah, estamos especialmente falando da Fatah liderado por Mahmoud Abbas, o presidente em Ramallah.
Nós nos reunimos no Cairo, em Istambul, em Moscou, na China, em diferentes capitais ao redor do mundo. E durante todo esse tempo chegamos a um acordo sobre como prosseguir e de como alcançar nosso objetivo final acabando com essa divisão e formando um órgão político unitário ou um governo unitário e unindo todas as instituições.
Mas, infelizmente, esses acordos não foram implementados pela OLP [Organização para Libertação Palestina], que é presidido por Abbas, principalmente devido à pressões externas.
Mas continuamos a exigir uma reunião imediata para chegar a um acordo sobre acabar com a divisão e alcançar a unidade. Porque não podemos derrotar nosso inimigo enquanto estivermos divididos. E a única parte que está lucrando com essa divisão é o inimigo, os israelenses.
