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Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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Aos 60 anos, o filósofo italiano Mario Perniola lança no Brasil o livro Pensando o ritual – sexualidade, morte, mundo (Studio Nobel, 264 págs.), em que reúne ensaios publicados anteriormente em La società dei simulacri e transiti

“Não é necessário sermos grandes viajantes para perceber que o mundo contemporâneo oferece um panorama no qual está dissolvida a rígida contraposição entre sagrado e profano, entre simbólico e pragmático, entre selvagem e racional”, escreve Perniola em sua introdução. Para explicar esse mundo contemporâneo, utilizando especialmente os conceitos de trânsito, simulacro e rito sem mito, Perniola recorre “não à Grécia antiga, que constitui o ponto de referência por excelência do pensamento filosófico contemporâneo, mas à Roma antiga, que, na literatura filosófica do século 20, é objeto de arraigada hostilidade”.  

Outro momento a que recorre é o barroco, também um período que, por um longo período, esteve distante do pensamento filosófico.

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Perniola participa na sexta-feira do Café Filosófico da Livraria Cultura. Vai abordar a questão do ritual em Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. O clássico de Sérgio Buarque foi recentemente relançado na Itália. E Perniola, há 18 anos, tornou-se um frequentador do Brasil. Para o autor italiano, a relação do brasileiro com os ritos e com o corpo faz lembrar a que tinham os romanos. O ritual seria, mais que uma tradição ou um acontecimento coletivo, uma relação de cada indivíduo com o próprio corpo. 

Leia abaixo entrevista que o italiano concedeu, por telefone, de Roma.  

O sr. escolheu como tema do Café Filosófico o livro Raízes do Brasil. Por que razão?  

Mario Perniola – Primeiro, porque esse é um livro fundamental para entender o Brasil, ao lado de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, e de Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. Segundo, porque esse livro, reeditado recentemente na Itália, além da discussão em torno da questão da cordialidade e da polidez, tem uma outra dimensão, que é o debate em torno do rito, um assunto em que o Brasil oferece expressões muito interessantes para pensar.  

O quê, por exemplo? 

Perniola – Estive no Brasil pela primeira vez há 18 anos. Desde então, procuro voltar pelo menos duas vezes por ano. Encontro no Brasil, especialmente nas cidades que mais visito, Recife e Salvador, uma relação com o rito e com o corpo que me remete ao que ocorria na Roma antiga. Estudei e aprendi com antropólogos e pesquisadores das religiões de origem africana, como Pierre Verger. Considero o ritual uma espécie de pensamento do corpo, em que a tradição cumpre um papel, mas que é sobretudo uma forma de as pessoas se relacionarem com o próprio corpo.  

Reprodução/marioperniola.it
Aos 60 anos, o filósofo e autor italiano Mario Perniola lançou no Brasil o livro Pensando o ritual – sexualidade, morte, mundo

Estado – Para o sr., a civilização romana é uma referência mais importante que a grega. Por quê?  

Perniola – Normalmente, os filósofos olham para a civilização grega como a origem de tudo, e veem Roma como uma repetição de uma tradição. Mas acho que eles supervalorizam os gregos. Para mim, a civilização romana ajuda a pensar a sociedade atual tão ou mais que a grega. Há no meu livro um pouco, o tempo todo, uma polêmica subterrânea contra Heidegger. A filosofia heideggeriana dá uma grande importância à questão da origem, do original. No mundo em que vivemos, o mundo pós-moderno, é o mundo da cópia, da repetição, do simulacro. Ponho em questão essa ideia de originalidade, de criatividade.  

O original não existe, então?  

Perniola – Eu acredito que há mudanças, mas que elas ocorrem lentamente. Há formas que atravessam os séculos e se desenvolvem de uma maneira lenta, por isso uso a palavra trânsito.  

Mas essa ideia não está bastante próxima da de “repetição diferente”, de Heidegger?  

Perniola – Sim e não, é uma questão delicada. Mas, para Heidegger, há sempre uma valorização da origem, a celebração da criação.

O sr. utiliza a palavra trânsito para discutir a questão do amor e Vênus como uma espécie de padroeira de uma forma de pensá-lo.  

Perniola – Do ponto de vista histórico, temos três formas diferentes de amor. O amor cortês, durante a Idade Média, o amor ional, no barroco, e o amor romântico, no século 19. Mas agora vivemos a crise de todos esses modelos, e a questão que se põe é como pensar o amor atualmente. Talvez como o amor louco, mostrado pelos surrealistas, André Breton etc. Eu, no entanto, não caminho nessa direção. Acredito, sim, numa participação que implica, aos mesmo tempo, num certo distanciamento. O que parece mais importante, para mim, é um novo tipo de experiência, que talvez poderia ser definida como “sentir de fora”.  

E por que esse amor estaria ligado a Vênus?  

Perniola – A palavra Vênus, inicialmente, não é nem masculina nem feminina. É neutra. Para mim, isso é muito importante: a nova sexualidade, o novo amor vai além da divisão tradicional entre masculino e feminino. Escrevi um livro, O sex-appeal do inorgânico, em que defendo uma nova sexualidade marcada pela distância. 

E onde entra a palavra trânsito?  

Perniola – Na nova situação, as opções não seriam apenas o amor romântico ou o libertino. Estaria aberta a possibilidade de caminhar entre esses dois modelos, sem se ter de fixar em nenhum deles.

Uma das poucas imagens que ilustram seu livro é a do êxtase de Santa Teresa. Por quê?  

Perniola – Essa é uma representação do transe, e nesse aspecto o Brasil tem um vasta experiência. É uma experiência muito importante, veja o que se a em Recife e Salvador. Há uma ligação profunda entre a sensibilidade barroca e esse momento.  

E o que é o transe, para o sr.?  

Perniola – O transe, no fundo, não está ligado exatamente ao ritual. Há também o selvagem, mas mesmo neles estão institucionalizados. São s a algumas pessoas e situações específicas. Mas todos os outros são um momento particular de processo ritual. Acho que está, assim, ligada a essa perspectiva de distanciamento. O transe não significa ceder seu corpo à possessão de um deus. O que realmente me parece importante, no transe, é a ligação com o próprio corpo, que se transforma numa espécie de vestimenta. Há, assim, algo que liga o transe de Santa Teresa e o que ocorre nas religiões afrobrasileiras. 

Haveria algum tipo de herança europeia no transe afrobrasileiro? 

Perniola – Sim, talvez da região do Mediterrâneo, mais dos gregos que dos romanos (risos), nesse caso. Segundo alguns pensadores, o transe se originou nessa região e depois penetrou no continente africano. Aqui na Itália, há o ritual das Virgens do Arco que se parece muito com os rituais afrobrasileiros, sobretudo por seu caráter de confraria. 

O sr. escreve que os meios de comunicação de massa, até o momento, negam o caráter de simulacro. 

Perniola – O que eu procuro demonstrar é que, na sociedade contemporânea, estamos além da diferença entre a realidade e aparência. Isso me parece um aspecto interessante, ir além da distinção tradicional entre o real e a aparente.  

Para o sr., houve uma importante transformação na sociedade. O que mudou e o que não mudou?  

Perniola – Para mim, o grande momento de transformação foram os anos 60, quando, nos países desenvolvidos, as novas tecnologias, como a televisão, se popularizam. O que se acontece nesse momento? amos de uma perspectiva ligada ainda às ideologias para uma outra dimensão, que em outro livro defini como sensologia. A ideologia está ligada, sobretudo, ao pensamento. A sensologia é mais uma certa maneira de sentir coletiva. Parece-me que a nossa sociedade não é mais uma sociedade ideológica, mas uma sociedade sensológica. Sensologia que se apresenta de formas diferentes: nos anos 60 e 70, pela contestação revolucionária, nos anos 80 e 90, uma sensologia cínica. Vivemos agora uma sensologia integralista, ligada ao catolicismo. Mas isso não significa um retorno da religião. Não acredito que o jubileu desse ano significa o retorno da fé. É uma sensologia religiosa.  

E qual é o significado desse “retorno” da fé?  

Perniola – Não é um retorno, é uma maneira de sentir, uma maneira de sentir coletiva. A diferença é que isso pode mudar muito rapidamente, é algo em movimento, sem raízes. Podemos definir nossa sociedade como uma sociedade da credulidade: uma sociedade que, num certo sentido, não acredita em nada; e, em outro, acredita em tudo. Um exemplo é a volta da superstição: não importa qual. 

Não faz muito sentido perguntar isso a um filósofo, mas o sr. vê isso de um modo positivo ou negativo? 

Perniola – O que posso dizer é que, apesar de tudo, sinto-me contente de viver nesse momento.

Publicado em O Estado de São Paulo, 3/12/2000.