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Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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O Rio é, para Ruy Castro, uma cidade em que as histórias começam pelo épico e terminam no samba. E assim é há pelo menos 300 anos, muito antes de o samba propriamente dito surgir, talvez 501 anos (o livro reconta a história da cidade desde a viagem de Américo Vespúcio, em 1502). O Rio, dito de outra forma, já foi muito mais perigoso do que é hoje, e é justamente a tensão dessa cidade violenta e festiva que a toma “excitante demais”. 

“Crônica de uma cidade excitante demais” é justamente o subtítulo do livro de Ruy Castro Carnaval no Fogo (Companhia das Letras, 256 págs.), uma verdadeira ode à ex-capital do Brasil. A obra faz parte de uma coleção dedicada a cidades do mundo, que, em português, já conta com livros sobre Paris, Florença e Sidney. 

“Ela se destina ensinar um pouco sobre o Rio aos não-cariocas – porque os cariocas já sabem de praticamente tudo que falei ou muito mais”, diz o autor. “Há, por parte da imprensa, uma espécie de satanização do Rio, que acaba contaminando o próprio cidadão carioca”, acha Castro. “O carioca sai pouco, na verdade não tem muito porque sair da cidade, e acaba tendo pouca consciência do que ocorre fora e acha que esses problemas são exclusivos do Rio.” 

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Reprodução/Companhia das Letras
Capa de ‘Carnaval no fogo’, de Ruy Castro

Antes que os cinco capítulos dessa crônica de 250 páginas comecem, uma introdução apresenta sua ideia central, aproximando a onda de violência de fevereiro de 2003, quando bandidos ligados ao narcotráfico tentaram fechar o comércio do Rio, do carnaval. Em Ipanema, ao mesmo tempo em que o boato se espalhava, um bloco iniciava a festa. “Os pivetes (que espalhavam os boatos) foram embora. O bloco dançou e pulou noite adentro. Carnaval, como sempre, restabelecera a moralidade.” 

Há incontáveis associações semelhantes, a começar pela morte do capitão-mor Estácio de Sá, que comandou, no século 16, a expulsão dos ses e que acabou sendo morto numa batalha, em 1567. “O Rio deu o nome a um bairro – o Estácio –, no qual, 360 anos depois de sua morte, o produto mais típico da cidade ganharia contornos definitivos: o samba.” 

Wikimedia Commons/Cybelle Young
Ruy Castro rindo, de perfil; usa óculos, os dentes são amarelados e o cabelo é preto

Cariocas trabalham mais que a média do Brasil

Carnaval no Fogo apresenta uma visão bastante apaixonada do Rio. Se o autor faz questão de dizer que não tomou liberdades com o ado, esse ado é visto com um olhar de quem vive e é envolvido pela cidade, aceitando inclusive alguns de seus defeitos. O Rio de Ruy “pode ter sido até o inventor de um gênero literário: a crônica” (gênero em que milita, aliás, sua mulher, a escritora Heloísa Seixas), seus moradores tomam “uma média de 2,73 banhos por dia” (o ponto de partida é de que um carioca toma, numa estimativa, mil chuveiradas por ano), a cidade “recebe todo mundo sem fazer perguntas”, os índios que habitavam a região antes da chegada dos europeus tinham uma vida “feliz e paradisíaca”, e o carioca trabalha mais do que os habitantes de outros lugares (neste caso, Ruy apresenta números do IBGE, que indicam que a jornada semanal de trabalho da cidade é de 40h47min – “o carioca não tem culpa se lhe sobram 127h13min por semana para não trabalhar”). 

Sobre a questão do trabalho, aliás, Ruy mostra-se disposto a contrariar a ideia geral que se faz do carioca. “Uma coleção de clichês assola e mancha a imagem do Rio. Alguns deles são os de que o carioca não trabalha, a o dia na praia e não pode ver uma esquina ou um botequim sem parar para conversar com alguém que acabou de conhecer e de quem já ficou íntimo”, escreve. O “problema”, no caso, é que a rua, a cidade e a praia, no Rio, são tão atraentes que “todo mundo pode ver o carioca não trabalhando”. 

Nessa defesa talvez merecida da ex-capital do País, Ruy ignora a rivalidade com São Paulo, que praticamente não aparece no livro – é citada, por exemplo, como a sede de uma marca de roupas chamada Garota de Ipanema –, nem mesmo quando Ruy divide as cidades entre masculinas (Londres, Nova York e Tóquio, “graves, impessoais, sem fricotes”) e femininas (Paris, Roma e Rio, “românticas, volúveis, envolventes”). Ele escreve ainda que “o Rio é o maior polo de conhecimento científico e tecnológico do Brasil”. “O Rio é um polo desde 1808”, justifica em entrevista. “Teve muito tempo para acumular tal conhecimento.” 

Ainda sobre a rivalidade, Ruy Castro afirma que nem pensou nela (“acho meio boba”) e que não imaginou, em nenhum momento, enquanto escrevia o livro, em compará-la com São Paulo: “O Rio me assoberbou.” 

Trecho

Rua é a palavra-chave. O carioca tem uma longa intimidade com ela, e ela com ele. É na rua que ele se sente em casa. Isso se reflete até na literatura produzida aqui nos últimos 150 anos. Os principais ficcionistas do Rio – Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Lima Barreto, Marques Rebêlo, Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony – sempre foram atentos observadores da ação na cidade. O Rio pode ter sido até o inventor de um gênero literário: a crônica, uma narrativa curta e só aparentemente trivial, feita para jornais e revistas, misturando realidade, ficção e comentário, e cujo cenário é quase sempre a rua (no mínimo, uma janela). O maior dos cronistas, Rubem Braga, gerou uma quantidade de grandes seguidores – Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Elsie Lessa, José Carlos Oliveira – e a tradição prossegue hoje com Aldir Blanc, Heloisa Seixas, Joaquim Ferreira dos Santos. Os cronistas são as antenas da cidade, os primeiros a perceber as mudanças do vento.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 13 de setembro de 2003 com o título: “Uma cidade carioca demais”.