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Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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A eleição do cardeal Robert Prevost como novo papa Leão 14 causou grande comoção no Peru, país ao qual o religioso norte-americano dedicou a maior parte do seu sacerdócio, antes de se tornar o líder máximo da Igreja Católica.

O período em que o novo pontífice viveu em terras peruanas tem sido um dos principais temas levantados após o conclave, finalizado na última quinta-feira (08/05), especialmente o episódio relativo a uma denúncia, pela qual se atribui a Prevost uma suposta atuação para encobrir crimes de abuso sexual cometidos por dois padres peruanos.

No entanto, há controvérsias a respeito desse episódio. Segundo o cientista político peruano Nilo Meza, a denúncia contra Prevost foi feita por pessoas ligadas ao movimento ultraconservador Sodalício para a Vida Cristã, o mesmo ao qual pertenciam os dois padres acusados de terem cometido o abuso.

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Em entrevista a Opera Mundi, Meza conta que “o Sodalício foi sancionado pela Santa Sé, que expulsou seu fundador, Luis Fernando Figari, acusado de violência física, psicológica e sexual contra fieis, e decretou a desativação total do Sodalício”.

“Algumas pessoas ligadas a esse movimento foram os que promoveram a denúncia contra o cardeal Prevost, como forma de atribuir a ele os crimes cometidos pelos seus membros. Eles juraram vingança contra o cardeal por entenderem que a desativação do movimento foi culpa dele”, acrescenta Meza.

A entrevista com o cientista político também traz um relato sobre a vida de Prevost no Peru, sua atuação política no país sul-americano e a forma como a sociedade peruana reagiu à sua nomeação como novo pontífice.

Também aborda sua proximidade com o papa Francisco e suas posições a respeito de temas como o sacerdócio feminino e a relação que a Igreja deve ter com a comunidade LGBTQIA+.

Leia a entrevista com Nilo Meza na íntegra:

Opera Mundi: Como foram os anos do cardeal Prevost como padre no Peru? Como ele é lembrado no país?

Nilo Meza: Ele tinha 33 anos e era padre há três anos quando, em meados de 1985, foi enviado para a Missão Chulucanas, Piura, norte do Peru. De lá, ele serviu a cidade de Iquitos (leste) e a região de Apurímac (sul). Onde quer que estivesse, ele se esforçava para entender a realidade das comunidades rurais e das populações urbanas presas à pobreza, circunstâncias que marcaram sua vida. Entre 1988 e 1998, foi designado para Trujillo como formador de padres da ordem agostiniana no país. Este trabalho foi ainda mais nutrido por sua conexão cada vez mais forte e profunda com as comunidades rurais e urbanas mais pobres de Trujillo.

De 1989 até o final de 2013, o padre Prevost viveu uma vida de peregrinação contínua entre sua cidade natal, Chicago, e as terras peruanas onde criou raízes.

Em 2014, o Papa Francisco o nomeou Bispo de Chiclayo, momento em que ele decidiu se tornar peruano com um documento de identidade que o certificasse como tal. Daquela “querida Chiclayo”, como disse o Papa Leão 14 em seu discurso de posse, ele promoveu vastos programas contra a desnutrição infantil e a pobreza extrema, bem como programas de apoio aos migrantes, especialmente venezuelanos.

Somando os anos dedicados ao Peru, eles ultraam 38 anos, tempo no povo peruano alimentou seu apreço e iração pelo padre Prevost. Foi um pároco muito amado pelo povo e, em particular, pelos mais necessitados. Ele tem muitos afilhados e compadres desde quando era pároco em Chulucanas e depois como bispo em Chiclayo. Suas roupas, muito simples e desprovidas de luxo, revelavam sua proximidade com o povo. Ele geralmente usava camisas estampadas com imagens de Chiclayo. Nas estações chuvosas, suas botas de borracha e capas de plástico eram suficientes para viajar pelas áreas mais pobres que aguardavam com carinho sua visita. Ele nunca se aproveitou de privilégios eclesiásticos.

Prevost teve algum envolvimento na política local peruana?

Nenhum relacionamento político formal. Mas seu compromisso com os mais pobres do campo e da cidade fez dele um líder que aplicou firmemente a Doutrina Social da Igreja, a Teologia da Libertação, cujo idealizador, Gustavo Gutiérrez, foi um amigo pessoal. Dentro deste quadro doutrinário, era lógico que a sua obra missionária se identificasse perfeitamente com a opção pelos pobres. Ele não precisou de um partido político para se envolver na política convencional, fez isso com seu trabalho cotidiano, por isso fez inimigos em setores conservadores da Igreja, e também na classe empresarial.

Sua vida, sua pregação e seu trabalho missionário estavam firmemente envolvidos na política das cidades onde ele trabalhava. Por exemplo, durante o massacre de 50 peruanos pelo governo Boluarte (entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023), ele fez sua voz ser ouvida, repudiando tais crimes e pedindo que as pessoas evitassem a violência, ao mesmo tempo em que destacava a responsabilidade do Estado para com os pobres do Peru. Esse comportamento não era episódico; fazia parte de sua vida, pois ele também criticava o governo dos Estados Unidos por não lidar com a pobreza enfrentada por milhões de norte-americanos. Todo discurso contra a violência terminava invocando a unidade como garantia de defesa da vida e dos direitos. Foi um defensor da Doutrina Social da Igreja, iniciada por Leão XIII, e do envolvimento o da igreja em assuntos como economia, política e sindicatos.

Qual foi o nível de proximidade entre Prevost e o papa Francisco?

Ele é considerado um dos colaboradores mais próximos do papa Francisco, executor ativo dos mandatos do papa, especialmente no que diz respeito às reformas que ele lançou na Igreja e na comunidade em geral, com respeito a justiça social, punição por abuso sexual, transparência econômica e financeira, proteção ambiental, papel das mulheres, entre outras.

A maioria considera Prevost um cardeal progressista, intimamente associado à opção preferencial pelos pobres. Ele é reconhecido como o promotor de uma Igreja mais missionária, menos ostensiva, mais próxima dos pobres e sofredores, como afirmou em seu primeiro discurso ao mundo.

As virtudes e a lealdade de Prevost aos mandamentos de Deus, assim como seu claro compromisso de servir primeiro os mais pobres, foram características que o papa Francisco considerou ao lhe confiar funções de alta responsabilidade e confiança, como a de prefeito do Dicastério para os Bispos, o ministério do Vaticano responsável por eleger bispos no mundo todo. Nada menos.

Não faltam, porém, setores próximos ou comprometidos com o conservadorismo reacionário mundial, como os amigos de Trump e ele próprio, que não hesitam em dizer que o agora papa Leão 14 é “comunista”, de ideologia marxista, a mesma ladainha que usaram contra o papa Francisco. Há de tudo nos prados do Senhor.

Nascido nos Estados Unidos, Leão 14 exerceu maior parte do seu sacerdócio no Peru
Reprodução vídeo / Vatican Media

Após sua nomeação como Leão 14, seu primeiro discurso falou sobre justiça social e paz em conflitos globais. Estamos falando de um pontífice que pretende se envolver em grandes questões internacionais?

Definitivamente. Não seria possível explicar a abertura ao mundo pregada pelo papa Francisco sem a Doutrina Social da Igreja. Economia e política, tanto no Vaticano quanto no mundo, fazem parte da agenda da nova Igreja lançada por Francisco e, com algumas reservas, por alguns de seus antecessores.

O nome escolhido não é por acaso, Leão 14 está diretamente ligado aos postulados do Papa Leão XIII (1878-1903) que, conhecido pela sua Encíclica Rerum Novarum, de convicções firmes e governo forte, deu o à modernidade e às questões sociais e trabalhistas até então proibidas pela Igreja.

Com líderes como Leão 14, a Igreja escolhe um caminho profundamente atrelado às grandes questões atuais do mundo. A pobreza e a desigualdade, antes de tudo, estão sempre na agenda do atual Vaticano. A proteção e o respeito aos direitos humanos é outro campo global em que a Igreja está presente. Da mesma forma, a polêmica questão do meio ambiente mereceu uma clara intervenção do papa Francisco, que afirmou que a vida humana não deve ser predatória do meio ambiente. Esta era uma clara alusão àqueles que, por meio de indústrias poluentes, prejudicam a própria vida humana. E em relação à paz mundial, referindo-se às guerras em curso, a Igreja apelou aos envolvidos para que parem com esta espiral criminosa de violência.

Portanto, fica claro que hoje a Igreja está comprometida com as questões que dizem respeito ao mundo inteiro. Aquela Igreja que se absteve de tudo o que acontecia fora dos muros do Vaticano é coisa do ado.

Do ponto de vista dos direitos civis, Leão 14 será um papa mais conservador? Por exemplo, o que você pensa sobre comunidades de gênero diverso ou sobre a revogação de normas que impedem mulheres de se tornarem padres?

O papa Francisco disse uma vez, adotando uma abordagem pastoral para a comunidade LGBTQIA+, que “se alguém é gay e busca o Senhor de boa vontade, quem sou eu para julgar?”. Também questionou: “são pessoas que não têm direitos? Por que, se as têm, são estigmatizadas? É uma questão apenas da Igreja ou da sociedade civil?”.

É verdade que Leão 14 não expressou sua opinião sobre o assunto como o papa Francisco. De fato, quando lhe perguntaram sobre isso antes de se tornar cardeal, ele preferiu a ambiguidade. Mas isso não significa que, dado seu perfil político e evangélico, ele irá mudar de postura em relação ao assunto.

Exigir que Leão 14 diga o oposto do que o Papa Francisco disse não parece pertinente nem justo. Não é fácil mudar dois mil anos de tradição e regulamentos em um ou dois mandatos papais. No entanto, é preciso reconhecer que questões que nem sequer foram mencionadas antes foram colocadas na agenda.

A questão do sacerdócio feminino é outra que merece muita reflexão e raciocínio para construir uma opinião que se tornará uma reivindicação da Igreja. Como muitas outras questões importantes, o tema da mulher como sacerdote ainda não foi resolvido dentro da Igreja, mas ninguém pode duvidar de que está na agenda e sua abordagem merece muito cuidado.

Nem mesmo o rastro astral deixado por Maria, mãe de Jesus, comove aqueles que, há dois mil anos, decidiram negar às mulheres o direito de se tornarem bispas ou cardeais, apesar de elas terem faculdades semelhantes às dos homens e, muitas vezes, demonstrarem inteligência superior.

Francisco disse uma vez: não é possível que mulheres talentosas com formação acadêmica brilhante sejam secretárias de bispos ou cardeais quando poderiam exercer o sacerdócio com a mesma ou melhor dedicação e diligência que os homens.

Há uma denúncia de duas mulheres peruanas sobre supostos abusos sexuais cometidos por padres na região de Chiclayo, nas quais Prevost é acusado de ter protegido os supostos abusadores. Como esse caso foi tratado no Peru?

A denúncia foi apresentada por pessoas ligadas ao setor mais conservador da Igreja peruana, particularmente as envolvidas com o movimento Sodalício para a Vida Cristã, que foi sancionado pela Santa Sé, expulsando seu fundador, Luis Fernando Figari, por violência física, psicológica e sexual cometidas contra fieis. Por fim, o Vaticano decretou a desativação total do Sodalício. Algumas pessoas ligadas a esse movimento foram as que promoveram a denúncia contra o cardeal Prevost, como forma de atribuir a ele os crimes cometidos pelos seus membros.

O Sodalício considerava Prevost como um inimigo dentro e fora da Igreja, e jurou vingança, por entender que a desativação do movimento foi culpa dele. Não foi surpresa que a denúncia tenha sido repercutida pelas mídias regionais, já que seus membros possuem poder e influência nos meios de comunicação locais, mas na época não houve tanto impacto nacional ou internacional. Veio à tona agora através de uma tentativa evidentemente falaciosa de desacreditar o papa Leão 14.

Além disso, as alegações contra Prevost foram investigadas pela Congregação para a Doutrina da Fé e consideradas “falsas e maliciosas”. O Vaticano arquivou o caso, afirmando que não houve acobertamento de crimes.

Como a sociedade peruana reagiu à nomeação de Prevost como o novo Papa Leão 14?

Muito feliz e orgulhosa, sem se importar com o fato de ele também ser norte-americano. No Peru, o papa é peruano, e nada mais. Em um país que sofre a tragédia de ser governado por criminosos e mafiosos que tomaram o poder, tanto no Legislativo quanto no Executivo, a notícia foi recebida como se Deus estendesse a mão ao povo na luta pela verdadeira democracia, por melhores condições de vida, por justiça social.

Particularmente, a celebração foi maior nas ruas da cidade de Chiclayo, onde foi bispo e dedicou muitos anos de sua vida. Nunca antes um futuro papa, sem saber que se tornaria um, caminhou de mãos dadas com crianças pobres pelas ruas empoeiradas, compartilhando sua modesta casa ou comida com comunidades rurais.

O Peru ainda celebrará esta eleição papal por algum tempo.