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Sexta-feira, 13 de junho de 2025
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“Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”. A frase, atribuída ao alemão Otto Von Bismarck, na verdade tem origem incerta, presente na literatura desde 1869. Inicialmente, ela foi cunhada como uma crítica à falta de transparência no processo legislativo, afinal, ninguém sabe exatamente quais os restos de carne formam a salsicha.

Embora alguns aspectos do Parlamento sigam opacos hoje, como bem exemplifica a distribuição de emendas secretas, alguns aspectos são plenamente íveis pela televisão, em particular os ritos de votação de projetos. E para aqueles que assistiram à votação em segundo turno da Estratégia Nacional de Defesa, da Política Nacional de Defesa e do Livro Branco de Defesa, realmente vale a pena pensar sobre o vegetarianismo. Saber como são feitas as leis as tornam piores, sem dúvidas.

Peacekeepers das Forças Armadas Brasileiras participam de desfile, no Dia Internacional dos Peacekeepers, em Brasília. (Foto: Sgt Batista / Força Aérea Brasileira)
Peacekeepers das Forças Armadas Brasileiras participam de desfile, no Dia Internacional dos Peacekeepers, em Brasília.
(Foto: Sgt Batista / Força Aérea Brasileira)

Inicialmente, um esclarecimento: os documentos acima mencionados são os de mais alto nível sobre defesa no país. A política e a estratégia definem grandes temas sobre os quais qualquer cidadão brasileiro tem condições de opinar, como: O que (quem) ameaça o Brasil? Quais as prioridades o país deve ter nesse campo? Como organizar a política pública de modo a alcançá-las? Para que servem as forças armadas? O livro branco, por sua vez, é uma medida de transparência internacional. Contendo detalhes sobre efetivo e armamentos brasileiros, busca gerar confiança nos vizinhos, mostrando que somos um país sem pretensões ofensivas. 

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Exatamente pela sua importância, assim como pelo conteúdo geral, compreensível para não especialistas na área, os documentos poderiam ser objeto de amplo debate democrático, o que nunca ocorreu no país, incluindo no atual governo Lula. A produção da versão inicial dos materiais ocorre basicamente dentro do Ministério da Defesa, numa junção de reflexões das três Forças singulares. 

O Partido dos Trabalhadores tem uma consolidada experiência em mecanismos de democracia participativa. Entre eles, destacam-se as conferências nacionais, momentos de escuta da comunidade nacional em torno de diversas políticas públicas. Na área de defesa, os comentários variam entre “este é um assunto para militares”, e “esse é um tema muito melindroso”, mas o fato é que a democracia participativa nunca chegou à política pública de defesa. 

Voltemos, então, aos projetos em tela na frágil democracia representativa. As minutas elaboradas pelo governo sem a participação social foram enviadas ao Congresso para a revisão prevista por lei para ocorrer de 4 em 4 anos. No último dia 22 de maio, foram à votação em Plenário no segundo turno (vídeo disponível na TV Câmara). Durante toda a tramitação do tema, NENHUMA inscrição para comentários ou correções foi feita. Nenhuma consideração de mérito sobre um documento no qual está previsto, por exemplo, a destinação de 2% do PIB brasileiro para a defesa, foi elaborada. Nenhum comentário sobre o cenário global de guerra. Nada. Foi o mais absoluto silêncio.

Ninguém da bancada à direita, parte dela usando suas patentes de Coronel Patatá, Sargento Patati, ocupou a tribuna para falar sobre a importância da política de defesa para o país, ou mesmo para saudar nossas briosas forças armadas. Nenhuma inscrição da bancada à esquerda, presa na discussão sobre a punição dos autores da intentona do 8 de janeiro de 2023, incapaz de olhar para o futuro e ver na maneira através da qual a política de defesa é conduzida um celeiro para novos golpes. Nenhuma inscrição do centrão, ponderando um naco do dinheiro que vai para a defesa. Nada. 

Além disso, há que se registrar que o tema foi para o Plenário em uma semana em que ninguém gostaria de estar lá, pois era a semana dos Prefeitos em Brasília. Foi usada como oportunidade para a obstrução dos trabalhos no Congresso pela oposição ao governo, que trava os trabalhos na intenção de pautar a votação da Anistia. Ao final, os documentos foram aprovados com o quórum de 397 votos a favor, em um quórum de 403 deputados. Agora segue para o Senado para a aprovação final.

Satisfeitos com o processo parecem sair os militares, que mantêm uma dupla atuação no Legislativo. Por um lado, reforçam que apenas eles conhecem a defesa, um setor sensível que pode prejudicar o parlamentar que queira, eventualmente, tratar “direitos como privilégios”; por outro, as Forças atuam como assessores especializados e informais, adotando práticas de lobby indireto (como viagens, reuniões em instalações militares e fotos com onças presas no Comando da Amazônia), para convencer os legisladores das pautas corporativas que lhe são caras.

Quem acompanha a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional dirá que o episódio não surpreende. Sim, não surpreende, mas indigna. A direita ganha votos com a política de defesa e de segurança pública. Usa e abusa dos símbolos nacionais, da imagem das forças armadas, e alimenta o ciclo medo-crime-repressão. Ganha dinheiro assim. A esquerda, parece envolta na frase de José Genoíno, ainda dos anos 1990: “defesa não dá voto na democracia e dá cana na ditadura”.

A construção de uma política de defesa democrática requer maior envolvimento da sociedade civil no debate sobre esta política e seus operadores, assim como sua relação com as instituições. O dito falsamente atribuído a Bismarck está correto: não há como dormir tranquila depois que se acompanha como se fazem as leis.

(*) Ana Penido é pós-doutorada em ciência politica pela Unicamp, pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes – Unicamp) e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.