Por que marcham as mulheres negras?
Somos as principais vítimas da violência, nossos filhos são assassinados e estamos nos postos de trabalho mais exploratórios
Em 25 de julho se instituiu o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, data reconhecida pela ONU em 1992. No Brasil, Tereza de Benguela, a rainha negra, é homenageada neste dia pela coragem de lutar por libertação aos povos oprimidos, comandando o Quilombo de Quariterê (MT). Símbolo de resistência quilombola contra o poder colonial, enfrentou o regime escravista e não se rendeu nem mesmo na hora de sua morte.
Por um lado, o capital tenta capturar o mês de julho com a intenção de vender suas “mercadorias coloridas”. O mercado está antenado: a simbologia do empoderamento feminino e antirracista está em alta e vende bem. Os liberais também encabeçam campanhas pela ascensão econômica das mulheres negras, reconhecendo a desigualdade, afinal, é um absurdo não existir nenhuma bilionária negra na lista da Forbes.
Para nossa sorte, apesar dos setores que tentam fazer do 25 de julho um pequeno festival de celebração, uma data simbólica e comemorativa, existem vozes que não foram completamente hipnotizadas pelo canto do capital: neste ano as mulheres negras marcham.
Porque somos as principais vítimas da violência
O 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado na última quinta-feira (18), trouxe um dado dramático: a cada seis minutos, acontece um estupro no país. O número aumentou 91% nos últimos treze anos e 76% das vítimas têm menos de quatorze anos. Hoje, a maioria das vítimas de estupro no Brasil são crianças negras, meninas com até treze anos de idade.
Os feminicídios também cresceram. E as mulheres negras representam 64% das vítimas.

Marchas marcam Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, em 25 de julho
Porque nossos filhos são assassinados
Em 2023, também segundo o anuário, 82,7% dos assassinados pela polícia eram negros e 71,7% eram jovens entre doze e dezenove anos. Como o exemplo paulista da Operação Escudo do governo Tarcísio, que montou um esquadrão da morte e colocou policiais militares para executarem pessoas à luz do dia nas favelas da região litorânea, prendeu e matou majoritariamente jovens, negros e sem antecedentes. Quem são as mães que choram esses mortos?
Porque estamos nos postos de trabalho mais exploratórios
Terceirizadas, operadoras de caixa, faxineiras ou simplesmente desempregadas: o capitalismo rebaixa ao máximo os nossos salários e nos coloca nos postos de trabalho mais precarizados, sem direito algum. Uma mulher negra recebe 48% do salário de um homem branco, segundo levantamento da FGV. Entre os trabalhadores sem carteira assinada somos 47%, além de liderarmos a taxa de desemprego.
Porque neste sistema não há reforma nenhuma capaz de nos reparar
Há quem diga que estamos avançando e que o racismo está sendo superado, com mais mulheres negras liderando empresas, eleitas deputadas ou nomeadas ministras; que estamos estampando capas de revista de beleza e inspirando bonecas infantis. Querem nos fazer acreditar que, pouco a pouco, viveremos numa sociedade sem desigualdade e que o ado ficou para trás.
Mas a verdade está aí para quem quiser ver: nossas ancestrais eram estupradas pelos senhores de escravos e seguimos violentadas hoje; nossos filhos eram sequestrados e vendidos como mercadorias, desumanizados, como ainda são violentados e presos hoje; fomos jogadas para as margens das cidades e deixadas à própria sorte, com trabalhos miseráveis até hoje.
O sistema precisa da superexploração das mulheres negras para achatar os salários da classe trabalhadora e assegurar os lucros dos monopólios capitalistas. Enquanto existir exploração, seremos exploradas. No Brasil de 2024, não faltam motivos para as mulheres negras marcharem. Então marchemos!
“Irmãos Negros e irmãs Negras, eu quero que vocês saibam que eu amo vocês e eu espero que em algum lugar nos seus corações vocês tenham amor por mim. Meu nome é Assata Shakur e eu sou uma revolucionária. Uma revolucionária Negra. Isso significa que eu declarei guerra a todas as forças que têm estuprado nossas mulheres, castrado nossos homens e mantido nossos bebês com a barriga vazia. Eu declarei guerra aos ricos que prosperam com a nossa pobreza, aos políticos que mentem para nós com faces sorridentes e a todos os estúpidos, robôs sem coração que protegem a eles e a sua riqueza. (…) Eles nos chamam de ladrões e bandidos. Eles dizem que nós roubamos. Mas não fomos nós que roubamos milhões de pessoas Negras do continente africano. Nós fomos roubados da nossa língua, dos nossos Deuses, da nossa cultura, da nossa dignidade humana, do nosso trabalho e das nossas vidas. Eles nos chamam de ladrões, ainda que não sejamos nós que desviamos bilhões de dólares todo ano em evasões fiscais, fixação ilegal de preços, peculato, fraude contra o consumidor, subornos, propinas e corrupção. Eles nos chamam de bandidos, ainda que toda vez que a maioria das pessoas Negras pegam os seus salários estejam sendo roubadas. (…) É nosso dever lutar por nossa liberdade. É nosso dever ganhar. Devemos amar uns aos outros e apoiar uns aos outros. Não temos nada a perder senão as nossas correntes.” (Para Meu Povo, de Assata Shakur)
(*) Isis Mustafa é dirigente do partido Unidade Popular pelo Socialismo e 1ª vice-presidente da UNE.
