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Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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Minha história de espião favorita foi contada pelo brasileiríssimo Fernando Morais – sou fã! No livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, o autor contou a história de agentes cubanos infiltrados nos EUA durante a Guerra Fria, batizados como Rede Vespa. Os espiões tinham como tarefa monitorar e sabotar atividades da rede anticastrista radicada em Miami, já então extremamente influente na política estadunidense (origem do atual secretário de estado Marco Rubio). a-se ao final da Guerra Fria, quando a URSS caiu, mas a ilhota se manteve comunista, contra todas as apostas, inclusive contra as práticas terroristas adotadas pelos cubanos em Miami, com a anuência (ou seria estímulo?) do governo dos EUA.

Posteriormente, o livro tornou-se uma série na Netflix chamada “Wasp Network: Rede de Espiões”, estrelada por latinos maravilhosos como Penélope Cruz, Wagner Moura e Gael García Bernal – ouvi suspiros? Embora pareça ficção, trata-se da história de cinco espiões cubanos, presos pelos EUA e condenados a longas penas. Foram libertados, após negociações, entre 2011 e 2017, e são heróis nacionais em Cuba. Sempre me intrigou: como uma ilha tão pequena conseguira fazer um trabalho de inteligência tão qualificado?

Um militar russo vigia a o ponto de fronteira "Zapadnaya", na fronteira russo-polonesa. (Foto: Igor Zarembo / Игорь Зарембо / Ria Novosti / Wikimedia Commons)
Um militar russo vigia a o ponto de fronteira “Zapadnaya”, na fronteira russo-polonesa.
(Foto: Igor Zarembo / Игорь Зарембо / Ria Novosti / Wikimedia Commons)

Antigamente, trabalhadores da área de inteligência eram conhecidos como membros da comunidade de informações. Sempre achei que esse é um jeito elegante de falar “povo da fofoca”. Mas não aquela fofoca do bem, como diria Suassuna. As comunidades de inteligência de governos autoritários ou ditatoriais, como foi o caso brasileiro a partir de 1964, contribuíram para a prisão, tortura e desaparecimento de corpos, entre outros crimes ainda sem punição. Fofocas, ou mesmo mentiras, readas aos agentes do Sistema Nacional de inteligência, terminaram com a morte de brasileiros.

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Ismael Carlos eternizou no brega nacional um protesto contra a fofoqueira – “que deixe a vida dos outros e cuide da sua”. E nem me venham com essa de que a mulher é mais fofoqueira que o homem. Basta frequentar uma mesa de bar masculina, logo depois de qualquer prática esportiva, para mergulhar na fofoca. A diferença é que, no caso deles, a prática ganha um nome elegante: resenha.

Na última semana, a imprensa brasileira repercutiu uma matéria veiculada inicialmente pelo The New York Times, que se espalhou ao redor do mundo até ganhar as manchetes brasileiras. Afinal, fofoca chique mesmo é fofoca em inglês. Segundo a matéria, o Brasil teria se tornado uma linha de montagem para a fabricação de espiões russos, trama desvendada pela Polícia Federal. O timing não poderia ser mais perfeito: uma semana depois do giro do presidente Lula pela Rússia e China, fechando uma série de acordos e dando ênfase aos BRICs na agenda da política externa brasileira. 

Mas antes de problematizar o tema, vamos primeiro ao causo. A reportagem relata que o Brasil vinha sendo usado pela Rússia para construir a identidade dos seus agentes que atuariam infiltrados em outros países. Com documentos de cidadania brasileira, seriam mais facilmente recebidos em regiões do mundo que guardam desconfianças da Rússia. A matéria conta um pouco sobre as outras profissões que os agentes assumiram e como se misturaram à população brasileira. Segundo o jornal, em função da diversidade étnica brasileira, da aceitabilidade do aporte brasileiro em muitos países, e da fragilidade da rede de dados para o registro de cidadãos, é relativamente fácil para um russo ar-se por brasileiro. Em reportagem posterior, dá um toque “humano” aos espiões, que se sentiam insatisfeitos com o trabalho, solitários e infelizes com o impacto de longos períodos no exterior nas suas vidas particulares. Não foi um toque original. A série The Americans estadunidense, também sobre espiões russos radicados nos EUA (que original!), tem o mesmo enfoque. 

Segundo o jornal estrangeiro, a trama começou a ser desvendada pela PF em 2022, meses antes do início da guerra na Ucrânia, a partir de um alerta da CIA emitido para a PF brasileira. Iniciou-se a batizada Operação Leste, uma operação de contra-inteligência, em território nacional, coordenada pela Polícia Federal, mas com o apoio de serviços de inteligência de outros países, como EUA, Israel e Uruguai. Embora não cite fontes, a matéria deixa em suspense a existência da rede desde os tempos da KGB (dissolvida em 1991), agência em que o atual presidente russo, Vladimir Putin, trabalhou. Um caso específico é hoje objeto de preocupação: é o do russo Sergey Cherkasov, atualmente cumprindo pena no Brasil, sob responsabilidade do Judiciário do país. 

Por fim, a reportagem informa a conduta final da PF: remeter a lista dos supostos espiões à Interpol, sob a acusação de uso de documentos falsos, o que teria levado os agentes a, agora expostos, retornar à Rússia. O Brasil manteve-se, enquanto Estado, neutro diante da guerra na Ucrânia. Segundo o The New York Times, o uso do território brasileiro teria sido visto como traição pelas autoridades brasileiras (que autoridades?) que responderam não prendendo um espião, mas fazendo algo pior: expondo um espião. Perguntaríamos: pior para quem? Pro agente ou para o Estado Nacional? Quem autorizou a ação? Ou as autoridades da Polícia Federal têm autonomia para fazer política externa?

Meses atrás, um outro caso já alertava para essa autonomização burocrática. Um cidadão foi impedido de entrar no Brasil por, supostamente, ter vínculos com o Hamas, que seria “uma organização terrorista”. Cumpre lembrar que o Brasil, enquanto Estado nacional soberano, segue as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que não tipifica o Hamas como uma organização terrorista. Pode a PF adotar sua própria definição sobre quem é ou não terrorista, e como lidar com isso?

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, negou qualquer operação russa em larga escala no Brasil. Acrescentou que o tema é objeto de acompanhamento da ABIN, das Forças Armadas e das forças de segurança. O mesmo posicionamento foi sustentado pelo atual diretor da PF, Andrei Rodrigues. Nenhuma matéria cita práticas de espionagem da Rússia contra o Brasil, mas sim a utilização do país para “maquilar” documentos, permitindo a atuação dos espiões em outras regiões fora do Brasil. A Rússia não comentou.

É possível afirmar que os países da OTAN intensificaram a sua perseguição aos cidadãos russos após o início da guerra na Ucrânia, mas a prática de espionagem é conhecida desde a Idade Média. Que a Rússia pratica espionagem ao redor do mundo, não há dúvidas. Isso vale também para todas as grandes potências que têm como objetivo projetar poder, como Estados Unidos e Israel, com as suas famosas agências, CIA e Mossad. Todos atuam no Brasil, por vezes contra os interesses brasileiros, contra interesses de outras potências estrangeiras que também atuam no Brasil, ou mesmo influenciando decisões estratégicas nacionais que possam favorecer ou prejudicar os objetivos das suas nações de origem. 

Não é o caso do Brasil. A ABIN tem como atribuição a inteligência externa, mas não atua fora das fronteiras nacionais. Em outras palavras, não veremos um espião brasileiro atuando na coleta de informações ou infiltrando-se em empresas ou organizações fora do nosso território. A contraespionagem não é uma atribuição da Polícia Federal, diferente do FBI dos EUA. No Brasil, essa responsabilidade é da ABIN, e quando detectado um crime, esta remete o caso à PF e faz o monitoramento de modo contínuo. A ABIN é a peça central do SISBIN, e são públicas tanto as críticas de agentes à falta de estrutura da agência quanto as disputas por atribuições com a Polícia Federal. 

Cumpre salientar que existe no Congresso Nacional uma comissão específica para exercer o controle externo da atividade de inteligência no país, praticada pelos organismos que compõem o SISBIN, a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI). Ela, em geral e equivocadamente, tem pouco peso na agenda política dos partidos à esquerda e à direita no Parlamento, e foi recentemente utilizada para a aprovação de um requerimento pedindo à ABIN o aos relatórios em poder da agência, dos últimos 15 anos, sobre a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Ter um serviço de inteligência robusto é necessário. A ascensão de grupos de extrema direita no mundo e aqui, inclusive com ações de terrorismo recentemente levadas à cabo, como a bomba que explodiu em Brasília ou os atentados à rede de distribuição energética, ilustram ações em que o emprego de inteligência é determinante. Entretanto, há que se ter cuidado com a dedicação apenas para a inteligência interna, o que lembra o antigo Serviço Nacional de Informações, dedicado a monitorar os potenciais inimigos internos.

Como perguntar não ofende, tem um bocado de questões circulando na minha cabeça. Será a Rússia o único país a usar o aporte nacional para a prática de inteligência? Por que um país que pratica inteligência contra o Brasil denunciaria outro por usar o país para “esquentar” documentos? Por que a CIA ofereceu a informação especificamente à PF brasileira, e não a outra agência, ou outro país? O que o Brasil, em particular a Polícia Federal, ganha fazendo o trabalho de linha auxiliar da CIA ao inserir nomes na lista da Interpol? Como está a coordenação e fiscalização do SISBIN, uma vez que órgãos como PF e ABIN parecem divergir sobre como tratar o tema? Ambos fazem contra-inteligência em território nacional? E talvez a mais simples: se você identificou um espião, por que prendê-lo? Espioná-lo, ou usá-lo para veicular contra-informação, não seria mais útil?

Nessa história toda, só consigo pensar na Rede Vespa sussurrando no meu ouvido “eu sou a mosca que pousou na sua sopa, eu sou a mosca que pintou pra lhe abusar, eu sou a mosca que perturba o seu sono, eu sou a mosca no seu quarto a zumbizar…”.

(*) Ana Penido é pós-doutorada em ciência politica pela Unicamp, pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes – Unicamp) e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.