window.advanced_ads_ready=function(e,a){a=a||"complete";var d=function(e){return"interactive"===a?"loading"!==e:"complete"===e};d(document.readyState)?e():document.addEventListener("readystatechange",(function(a){d(a.target.readyState)&&e()}),{once:"interactive"===a})},window.advanced_ads_ready_queue=window.advanced_ads_ready_queue||[];
Segunda-feira, 9 de junho de 2025
APOIE
Menu

Eu e meu assunto preferido na política: as ambivalências da politização do STF. Speak of devil, falemos de Gilmar Mendes. Um dos ministros mais influentes nas operações políticas que se efetivam.

Entre os muitos movimentos silenciosos que operam as engrenagens do poder institucional no Brasil, ganha fôlego a proposta de adoção do semipresidencialismo. Defendida com constância por Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, essa ideia é apresentada como alternativa técnica ao que se entende por crise de governabilidade. Mas trata-se de muito mais do que uma correção de rota: é uma tentativa sofisticada de reordenar o regime sem alterar sua estrutura de dominação. Um redesenho que se move nos bastidores do pacto liberal, com apoio de setores do Judiciário, do Parlamento e da elite econômica. Entender essa proposta é fundamental para compreender o esforço em curso de estabilizar a política sem abrir espaço à soberania popular — uma reconfiguração em curso, discreta, mas decisiva.

O semipresidencialismo de Gilmar Mendes propõe um presidente eleito pelo voto direto com funções limitadas e um primeiro-ministro indicado pelo Congresso, responsável por governar. O Executivo se fragmenta: representação de um lado, istração do outro. O Congresso a a controlar a agenda e o orçamento sem assumir o ônus do governo. O Judiciário reforça sua posição como árbitro das disputas. Trata-se de consolidar, por via constitucional, o esvaziamento da Presidência e o fortalecimento de um sistema em que o voto popular interfere cada vez menos na condução do Estado.

Receba em primeira mão as notícias e análises de Opera Mundi no seu WhatsApp!
Inscreva-se

A ascensão dessa proposta é totalmente vinculada a acontecimentos agudos da trajetória recente. Ela é parte da sequência que começa com a ruptura institucional de 2016. A deposição de Dilma Rousseff não apenas destituiu um governo eleito — estabeleceu uma nova lógica de governo. Michel Temer, escolhido como figura da transição golpista, operou reformas centrais exigidas pelo capital financeiro e empresarial. Entre elas, o Teto de Gastos, a reforma trabalhista e, já em 2019, a reforma da previdência, preparada ainda sob seu comando. Nada disso foi submetido ao crivo do voto. A legitimidade foi substituída pela funcionalidade.

A partir de 2016, a Presidência da República a a operar sob contenção estrutural. A margem de decisão política direta se reduz, enquanto o Congresso amplia seu controle sobre o orçamento e a direção concreta do Estado. As emendas impositivas já sinalizavam essa mudança; o orçamento secreto a formaliza. Sob Bolsonaro, essa lógica atinge seu ponto de inflexão. Sua eleição foi, para setores do poder, um risco calculado: a ameaça do discurso extremado poderia ser neutralizada por dispositivos de controle internos ao sistema. O orçamento secreto, nesse arranjo, foi uma custosa ferramenta de contenção. Permitiu que o governo fosse dominado pelo fisiologismo e o dirigismo do Centrão sem que se rompesse a fachada presidencialista. A Presidência permaneceu onde sempre esteve, mas o governo, de fato, ou a operar sob outra lógica.

A volta de Lula em 2023 se dá dentro desse campo já redesenhado. O governo se recompõe a partir de um pacto com forças que compartilham interesses na manutenção da ordem. O apoio parlamentar tem custo alto e conteúdo exigente. O programa de reconstrução é pautado por limites já impostos desde Temer: um Estado financeiramente paralisado, um Congresso com poder de veto orçamentário, o mercado financeiro estrilando o tempo todo, e a governança operando sem o poder do voto, sob a força dos não eleitos.

Proposta defendida por Gilmar Mendes não resolve a crise
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

É nesse contexto que o semipresidencialismo se reapresenta. Menos como proposta de democratização, mas como estabilização institucional dentro da nova correlação de forças. O que está em pauta não é apenas mudar a forma de governo. É consolidar uma reorganização do poder que transfere a condução do Estado para um Parlamento marcado por interesses privados, eleito a soldo deles e pouco permeável ao debate público e hostil à redistribuição de renda e poder. Portanto, não é um delírio gilmarista.

A proposta defendida por Gilmar Mendes não resolve a crise. Ela a istra e acomoda. E ao istrar, congela. Preserva o controle da política por frações que não respondem diretamente ao voto popular. Mantém o presidente como figura de representação simbólica e transfere a função de governo a uma maioria parlamentar costurada em torno de interesses corporativos, econômicos e fisiológicos. É uma forma de bloquear a possibilidade de projetos de transformação que escapem da lógica do ajuste permanente.

Chamar isso de modernização é desonesto. O semipresidencialismo, nas condições concretas do Brasil atual, institucionaliza a ruptura entre soberania popular e decisão política. Ele não elimina a instabilidade — apenas desloca o centro do poder para um espaço onde a vontade da maioria tem menos efeito.

A análise dessa proposta não deve se limitar ao desenho institucional. É preciso perguntar: quem ganha com esse modelo? Que tipo de Estado ele projeta? O que ele permite que continue — e o que ele impede que mude? A forma de governo não é neutra. Ela define quem decide, quem obedece e quem pode ser ignorado. E não pode ser redefinida como um arranjo de salão, costurado entre ministros, juristas e operadores da ordem. Qualquer mudança que redesenhe a relação entre voto e governo exige legitimação direta. Se o semipresidencialismo quer se apresentar como solução de regime, que seja submetido ao povo. Sem plebiscito, o que há é imposição — com verniz técnico e cálculo político.

Não se trata de escolher entre modelos abstratos de governo, mas de reconhecer o tipo de país que cada arquitetura institucional projeta. O semipresidencialismo proposto não emerge do conflito social, mas da necessidade de istrá-lo à distância. Não responde ao fracasso do presidencialismo, mas ao medo de sua reconfiguração popular. Ele é menos uma reforma e mais um dispositivo de retenção. Nas mãos de um Congresso capturado, de um Judiciário interventor e de elites avessas à redistribuição, o novo modelo tende a consolidar um Estado gerido por pactos herméticos, fora do alcance da maioria. É isso que está em jogo: não a estabilidade do sistema, mas os limites do que ainda podemos chamar de democracia.

É importante que olhemos para 2026 sob o crivo desse debate. Não tenho receio de afirmar: ele virá — sob o nome de semipresidencialismo ou outro qualquer. O regime está em disputa. E o que hoje se apresenta como ajuste institucional pode se consolidar como limite permanente à vontade popular, caso não seja enfrentado com clareza, decisão e lucidez política.