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Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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Há 190 anos, no fim de maio de 1835, as tropas rebeldes dos cabanos se rendiam ao governo regencial, encerrando a Cabanada.

A guerra dos cabanos foi inicialmente um movimento de caráter restaurador que se desenvolveu nas províncias de Pernambuco e Alagoas durante o Período Regencial.

Motivada pela insatisfação com as mudanças políticas e com a crise social instauradas após a abdicação de Dom Pedro I, a Cabanada se tornaria um grande movimento popular, mobilizando milhares de camponeses, negros e indígenas na luta contra a opressão das elites.

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Sob a liderança de Vicente de Paula, os cabanos organizaram ataques contra os engenhos e fazendas, visando a libertação dos escravizados.

Os rebeldes também exortaram o povo a se unir na luta pelo direito à terra e conseguiram controlar parte do território pernambucano, resistindo por três anos às ofensivas das tropas regenciais.

O Período Regencial

A Cabanada foi um dos vários conflitos que eclodiram no Brasil ao longo do Período Regencial — o interlúdio entre o Primeiro e o Segundo Reinado, iniciado após a abdicação de Dom Pedro I, em 7 de abril de 1831.

A renúncia do imperador fora motivada por uma série de fatores. A tendência absolutista de Pedro I, evidenciada pelo ataque à Assembleia Constituinte de 1823, havia gerado enorme descontentamento entre os liberais.

A centralização do poder e a continuidade da crise econômica, agravada pela Guerra da Cisplatina, desgastaram a popularidade do imperador entre as elites. E havia, por fim, a crise sucessória do trono português, uma questão em aberto desde a morte de Dom João VI.

Dom Pedro II, o herdeiro do trono, tinha apenas 5 anos de idade quando seu pai renunciou. Assim, entre 1831 e 1840, o Brasil seria governado por regentes. O vácuo do poder estimulou disputas intensas entre as facções políticas, agravadas pela fragilidade das instituições e pela falta de coesão entre as províncias.

Esse ambiente de forte instabilidade política levou ao surgimento de uma série de revoltas pelo país, incluindo a Cabanagem no Pará, a Balaiada no Maranhão, a Sabinada na Bahia e a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul.

Recife no início do século 19
Luis Schlappriz, 1863

A crise no Nordeste

A crise política do Período Regencial ressoou com mais força na Região Nordeste, onde a tensão social foi potencializada pela crise econômica. As economias locais eram muito dependentes exportação de açúcar e algodão, mas vinham sofrendo com a crescente concorrência dos centros produtores do Caribe e dos Estados Unidos.

Em Pernambuco e Alagoas, províncias que concentravam mais da metade dos engenhos de açúcar do Brasil, as oligarquias já se ressentiam da perda de poder econômico. Ao mesmo tempo, o modelo da monocultura agroexportadora, baseada no latifúndio e no uso do trabalho escravo, gerava a concentração de recursos e relegava a maior parte da população à miséria.

A nomeação de autoridades impopulares, impostas pelo governo regencial, e a cobrança abusiva de impostos também causavam um incômodo generalizado e agravavam o sentimento de exclusão.

Não demorou para que parte da oligarquia rural associasse as dificuldades que se agravavam sob o novo regime à abdicação de Dom Pedro I. A crise econômica, social e política, na visão de muitos, se devia à falta de uma liderança forte, revestida de legitimidade.

Essa interpretação, no entanto, foi adaptada e ganhou força também nas classes populares. À medida em que crescia a percepção de que o governo regencial era a representação política dos interesses das elites agrárias, avolumava-se o clamor popular pela restauração de Pedro I — bem como a mistificação de sua figura como um salvador, cujo retorno garantiria paz, justiça social e alívio ao povo.

Difundiu-se largamente a ideia de que o retorno de Pedro I garantiria a concessão de terra para os camponeses e de liberdade para os escravizados. Isso fez com que a restauração do trono se tornasse uma bandeira defendida pelos “cabanos” — pessoas de origem humilde, mestiços, negros fugidos e libertos e indígenas que moravam nas cabanas simplórias na Zona da Mata e no Agreste.

Começava a surgir, assim, uma aliança improvável entre as oligarquias rurais e as classes populares — unidas, ainda que por motivos divergentes, contra as reformas do governo regencial.

A Abrilada e o levante dos proprietários

Uma primeira tentativa de restaurar o trono de Pedro I ocorreu em abril de 1832, durante a chamada “Abrilada”. Comerciantes e proprietários de terra de origem portuguesa do Recife, reunidos em torno da sociedade secreta “Coluna do Trono e do Altar”, iniciaram um levante contra o governo regencial.

A insurreição, comandada pelos militares Francisco José Martins e José Gabriel de Morais Meyer, se estendeu por mais de uma semana, até ser esmagada pelas tropas regenciais. Os revoltosos, isolados após uma batalha nos arredores do Forte de São João Batista do Brum, foram forçados ao recuo, exilando-se no interior da província.

As tropas rebeldes rapidamente se reorganizaram e empreenderam novas ofensivas. Na região de as de Miranda, no agreste pernambucano, o capitão-mor Torres Galindo assumiu o comando da insurreição. Ele seria posteriormente preso e substituído por Antônio Timóteo de Andrade.

Simultaneamente, outra rebelião contra a Regência eclodiu na Praia de Barra Grande (atual Maragogi), na província de Alagoas, sob a liderança de João Batista de Araújo.

O presidente de Pernambuco, Francisco de Carvalho, providenciou o envio de um grande contingente de soldados, comandados por José Vaz do Pinho Carapeba, para esmagar o levante. Antônio Timóteo foi morto em combate e João Batista de Araújo foi capturado pelos homens do Almirante Tamandaré.

A Cabanada

A prisão dos comandantes militares não bastou para debelar o levante. Ao contrário: a liderança do movimento ou para as forças populares e a insurreição cresceu exponencialmente, sendo agora tocada pelos cabanos.

O principal comandante das forças populares era Vicente Ferreira de Paula, filho de um vigário e de uma negra escravizada. Ele operou uma mudança retórica de fundamental importância para revigorar o movimento, substituindo o foco na restauração de Dom Pedro I pela luta contra o sistema escravagista e a opressão das elites.

A exortação à luta pela terra e pela liberdade unificou os cabanos, registrando-se ampla adesão entre os chamados “papa-méis” (escravizados foragidos que viviam na mata) e os indígenas (sobretudo os povos das aldeias de Jacuípe, além de grupos Fulniôs e Xucurus).

Os cabanos realizaram uma série de ataques contra fazendas e engenhos de açúcar, visando libertar os escravizados. Muitos dos cativos se ofereciam para lutar no exército revolucionário, que crescia continuamente. No ápice, o movimento cabano mobilizava cerca de 15 mil combatentes.

Respaldos pelo apoio popular e utilizando a estratégia de guerrilha, os rebeldes conseguiram neutralizar as sucessivas campanhas militares do governo regencial, fazendo com que a insurreição se estendesse por um longo período. Muitos dos soldados do império, descontentes com o governo regencial, acabavam deserdando e se juntando às tropas rebeladas.

Os cabanos asseguraram o controle de uma vasta região do território pernambucano, que se estendia por quase 300 quilômetros de comprimento e 60 quilômetros de largura, abrangendo uma série de vilarejos — as, Altinho, Utinga, Porto Calvo, Cavaco, Japaratuba, Riachão etc.

Nesses territórios, os rebeldes implementaram experiências de uso comunal da terra, similares aos sistemas instituídos pelos quilombolas. Da mesma forma, buscaram criar modelos mais democráticos de gestão coletiva.

O fim do movimento

A mudança de enfoque dos cabanos, priorizando a luta contra o sistema escravagista, e os ataques contra os latifúndios e engenhos acabaram por levar ao rompimento com os setores da burguesia que apoiavam a insurreição em seu início.

Essa cisão se acentuou após a morte de Dom Pedro II, em setembro de 1834. Para os oligarcas que queriam apenas a restauração do trono, o movimento havia perdido a razão de existir. Para os cabanos que lutavam contra a escravidão e pelo direito à terra, a luta prosseguia.

Preocupado com a expansão do movimento, o governo regencial organizou uma expedição militar de grande porte para esmagar a Cabanada. Tropas com mais de 6.000 homens varreram o interior da província, destruindo os vilarejos e as lavouras dos cabanos. A operação resultou na morte de mais de mil rebeldes.

Em paralelo à repressão militar, o governo instituiu uma estratégia para dividir o movimento, oferecendo dinheiro, instrumentos agrícolas e insumos para os que desistissem. A fome e o surgimento de uma grave epidemia de varíola nos aldeamentos cabanos levaram muitos à deserção.

Por fim, o bispo João da Purificação Marques Perdigão, atuando em nome do governo, convocou uma conferência de paz e ofereceu anistia aos revoltosos. A maioria dos rebeldes concordou com os termos.

Assim, em 29 de maio de 1835, após três anos de combate um saldo de mais de 15 mil mortos, o levante foi oficialmente encerrado.

Vicente de Paula, o líder da revolta, recusou-se a desistir. Ele se refugiou em Riacho do Mato, onde tentou reconstituir o movimento, formando um exército revolucionário com 300 combatentes, que prosseguiu com os ataques aos engenhos e fazendas até 1841. Vicente seria posteriormente enviado para o presídio de Fernando de Noronha, onde ficou preso por 11 anos.