À beira do fim: os falsos alarmes que quase causaram uma catástrofe nuclear
Falha de chip ligou alerta de ataque nuclear soviético e erro foi percebido quando EUA estavam prestes a retaliar com bombas atômicas
Parecia mais uma manhã comum no Comando de Defesa Aeroespacial de Cheyenne Mountain, Colorado — até que os alarmes começaram a soar. Os sistemas de alerta indicavam que a União Soviética tinha acabado de lançar um ataque nuclear em larga escala contra os Estados Unidos.
Imediatamente, o Comando Aéreo Estratégico ordena uma retaliação. Os bombardeiros B-52, carregados de ogivas, recebem ordens para decolar. Uma chuva de bombas atômicas estava prestes a despencar sobre o mundo.
Mas não havia ataque algum. O alerta era consequência da falha de um chip. O alto comando militar conseguiu perceber o erro a tempo e a ordem para o contra-ataque foi cancelada.
Parece roteiro de filme de ficção, mas foi exatamente o que aconteceu há 45 anos, na manhã de 3 de junho de 1980. E o mais impressionante é que essa não foi a única vez em que falhas nos sistemas de segurança deixaram a humanidade à beira da aniquilação nuclear.
A Corrida Nuclear
Lançado pelos Estados Unidos em agosto de 1942, o Projeto Manhattan resultou na criação das primeiras bombas nucleares. O desenvolvimento dessa tecnologia havia sido uma recomendação de cientistas como Albert Einstein e Leó Szilárds. Eles temiam as consequências caso a Alemanha nazista conseguisse desenvolver armas nucleares antes dos Aliados.
A Alemanha se rendeu em maio de 1945, após a tomada de Berlim pelas tropas do Exército Vermelho. O governo norte-americano, entretanto, deu continuidade ao Projeto Manhattan — ciente das vantagens conferidas pelo domínio da nova tecnologia.
Em agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, matando 250 mil pessoas e causando devastação em uma escala nunca antes vista.
Os ataques foram descritos pelo governo norte-americano como “um mal necessário” para forçar o Japão à rendição, mas a justificativa era falsa. Os bombardeios eram mensagens claras ao mundo, em especial à União Soviética, sobre quem detinha o novo cetro da hegemonia mundial.
Percebendo a ameaça à sua soberania, a União Soviética acelerou o seu programa nuclear. Em agosto de 1949, os soviéticos realizaram seu primeiro teste de uma arma atômica, detonando o RDS-1. O teste surpreendeu o governo norte-americano, que não esperava que a União Soviética conseguisse desenvolver armas nucleares antes de 1954.
A Guerra Fria, institucionalizada desde 1947, após a promulgação da Doutrina Truman, ganhava então um novo componente — a corrida nuclear. Nas décadas seguintes, Estados Unidos e União Soviética se ocupariam de acumular vastos arsenais nucleares e empregariam fartos recursos no desenvolvimento de armas atômicas cada vez mais poderosas.
Em 1952, os Estados Unidos testaram a primeira bomba de hidrogênio, com uma potência de 10 megatons, cerca de 500 vezes mais destrutiva do que a bomba de Hiroshima. A União Soviética respondeu pouco tempo depois, detonando seu primeiro artefato termonuclear em 1955.
Outras nações entrariam no seleto grupo das potências nucleares nesse período, engrossando tanto o bloco capitalista (Reino Unido em 1952 e França em 1960) quanto o bloco socialista (China em 1964).

Marinha dos Estados Unidos/Wikimedia Commons
Destruição Mútua Assegurada
A Corrida Nuclear levaria ao desenvolvimento de uma forma insólita de equilíbrio entre as Estados Unidos e União Soviética durante Guerra Fria — a chamada Doutrina de Destruição Mútua Assegurada (MAD, no acrônimo em inglês).
A ideia era simples, porém aterradora: ambas as superpotências possuíam arsenais nucleares tão vastos que, em caso de guerra, cada lado poderia retaliar com força suficiente para destruir o outro, resultando na aniquilação mútua de ambas as nações — e do resto do planeta.
Criava-se, assim, um método de dissuasão baseado na ameaça do apocalipse nuclear, submetendo o planeta e um estado permanente de tensão e paranoia e exacerbando cada vez mais a corrida armamentista.
Transformada em dogma da política externa, a doutrina levaria as duas nações a desenvolverem projetos cada vez mais absurdos para cenários de guerra total.
Os Estados Unidos criaram o SIOP (“Single Integrated Operational Plan”), que previa o lançamento imediato de milhares de ogivas nucleares contra o território soviético. Por sua vez, a União Soviética investiu em sistemas de retaliação automatizada como a “Mão Morta”, que seria capaz de lançar ataques mesmo após a aniquilação do país.
A Crise dos Mísseis
A Doutrina da Destruição Mútua Assegurada foi posta à prova em outubro de 1962, quando um avião espião U-2 dos Estados Unidos fotografou a instalação de plataformas para o lançamento de mísseis nucleares soviéticos em Cuba.
A ação era uma resposta à fracassada tentativa dos Estados Unidos de derrubar o governo cubano durante a Invasão da Baía dos Porcos. Era também uma retaliação à presença de mísseis balísticos norte-americanos estacionados na Turquia.
A presença dos mísseis foi publicamente anunciada por John Kennedy no dia 22 de outubro, em um discurso televisionado alertando sobre a gravidade da situação. As Forças Armadas dos Estados Unidos foram colocadas em alerta máximo — DEFCON 2, a condição de prontidão que antecede a guerra nuclear.
A Crise dos Mísseis foi o mais próximo que o mundo chegou do início de um conflito nuclear durante a Guerra Fria. Ao longo de duas semanas, o mundo acompanhou com apreensão o desenrolar do caso.
Os militares norte-americanos pressionavam Kennedy a ordenar a invasão de Cuba ou a realizar um ataque contra os silos na ilha. O líder soviético Nikita Khruschev respondeu encaminhando uma frota de navios de guerra para o Caribe.
Nos bastidores, ocorriam tensas negociações diplomáticas. O conflito terminaria no dia 28 de outubro, após os dois governos chegarem a um acordo: os soviéticos retirariam os mísseis de Cuba em troca do compromisso dos Estados Unidos de não invadir a nação caribenha e da promessa privada de retirar seus mísseis da Turquia.
Os falsos-positivos
A Crise dos Mísseis escancarou ainda mais o risco crescente de uma catástrofe nuclear, levando os governos norte-americano e soviético a desenvolverem sistemas de alerta baseados no uso de radares, satélites e sensores infravermelhos.
Em 1972, o governo dos Estados Unidos criou uma base para operação integrada do Programa de Apoio à Defesa (DSP), o seu sistema de alerta. Sediada em Cheyenne Mountain, no Colorado, e operada pelo Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte (NORAD), a unidade se dedicava a monitorar continuamente o espaço aéreo e marítimo, buscando detectar mísseis em tempo real.
A tecnologia empregada, entretanto, ainda era relativamente rudimentar, o que tornava o sistema suscetível a falhas e erros. Surgia assim uma variável que não estava prevista na Doutrina de Destruição Mútua Assegurada — os falsos positivos que poderiam conduzir o mundo a uma guerra nuclear.
O incidente da fita de treinamento
O primeiro falso positivo foi registrado em 9 de novembro de 1979. Às 8h50 da manhã, os técnicos do NORAD receberam um alerta apavorante: a União Soviética havia lançado um ataque nuclear em massa contra os Estados Unidos.
Os sistemas mostravam múltiplos mísseis balísticos intercontinentais avançando em direção ao território norte-americano. Era questão de minutos até o país ser completamente devastado.
A cadeia de comando foi imediatamente acionada. Bases aéreas foram colocadas em alerta máximo e os centros de controle dos mísseis Minuteman receberam a informação de que os Estados Unidos estavam sob ataque nuclear.
Dezenas de caças interceptadores receberam ordem para decolar, bem como o “Doomsday Plane” — o “avião do juízo final”, um Boeing preparado para ser usado como posto de comando aéreo em caso de guerra nuclear. O conselheiro de segurança de Jimmy Carter foi informado sobre a devastação iminente.
Alguns minutos após o alerta inicial, os operadores do NORAD começaram a receber dados conflitantes de sensores secundários, como radares de longo alcance e outros satélites do DSP. Esses sistemas não haviam detectado absolutamente nada. Não havia nenhum míssil a caminho dos Estados Unidos.
Após uma análise detida, os técnicos descobriram que o alarme fora desencadeado por um erro humano. Um funcionário havia inserido acidentalmente uma fita de treinamento simulando um ataque nuclear soviético em grande escala no sistema operacional do NORAD. O alerta foi cancelado antes que qualquer ação irreversível fosse tomada.
O incidente do chip
Na madrugada de 3 de junho de 1980, sete meses após o incidente da fita, os sistemas do NORAD emitiram outro alerta de ataque nuclear. Os computadores mostravam que a União Soviética havia lançado uma chuva de ogivas atômicas contra os Estados Unidos. E dessa vez, não havia nenhuma fita de treinamento em uso.
Novamente, o NORAD entrou em alerta máximo e notificou o Comando Aéreo Estratégico. Às três da manhã, o Conselheiro Nacional de Segurança, Zbigniew Brzezinski, foi acordado por um telefonema do coronel William Odom. O militar o informou que os soviéticos haviam lançado 250 mísseis nucleares contra os Estados Unidos. Brzezinski então o instruiu a iniciar um ataque nuclear retaliatório.
Bombardeiros B-52 receberam ordem para a decolagem e as equipes dos silos dos mísseis nucleares foram mobilizadas. No Pentágono e em outros centros de comando, oficiais do alto escalão foram convocados para uma reunião de emergência.
Mais uma vez, os operadores do NORAD notaram inconsistências nos dados. O número de mísseis exibidos nos monitores variava erraticamente. A princípio, eram estimadas 250 ogivas. Depois, o número saltou para 2.200. Em seguida, chegou a zero e foi então recalculado para 200.
Após cerca de 10 minutos de análise, os técnicos concluíram que o alerta era um alarme falso e a ordem para a retaliação foi cancelada. As investigações subsequentes revelaram que o alarme falso fora causado por uma falha em um circuito integrado. Um chip de computador que custava 46 centavos quase havia causado uma catástrofe nuclear.
O incidente do equinócio de outono
Um grave falso positivo também foi registrado pelos soviéticos. Na noite de 25 para 26 de setembro de 1983, o tenente-coronel Stanislav Petrov estava de plantão no bunker Serpukhov-15, nos arredores de Moscou, monitorando o “Oko”, o sistema de alerta nacional.
Pouco após a meia-noite, os alarmes no bunker dispararam, indicando que os Estados Unidos tinham lançado um míssil balístico intercontinental contra a União Soviética. Minutos depois, mais quatro mísseis nucleares foram identificados pelo sistema.
De acordo com o protocolo militar soviético, Petrov deveria informar imediatamente seus superiores, o que possivelmente resultaria em um contra-ataque nuclear. O militar, entretanto, desconfiou da veracidade do alarme.
Petrov raciocinou que, no caso de um ataque nuclear real, os Estados Unidos não enviariam somente cinco ogivas, mas centenas de mísseis. Além disso, o radar terrestre não havia confirmado os lançamentos detectados pelos satélites.
O oficial resolveu confiar na sua intuição e não emitiu alerta, relatando o ocorrido como uma falha no sistema. As investigações posteriores revelaram que o sistema Oko havia confundido reflexos solares em nuvens de grande altitude com o lançamento de mísseis.
Petrov sofreria uma reprimenda de seus superiores por não ter seguido o protocolo, mas não chegou a ser punido. Ele seria posteriormente removido do serviço militar e alocado no instituto responsável pelo desenvolvimento do sistema Oko. Sua história foi retratada no documentário dinamarquês “O Homem que Salvou o Mundo”, lançado em 2013 por Peter Anthony.
