A trajetória de Walter Rodney, um mártir da luta popular
Historiador e militante marxista foi responsável por importantes contribuições ao pensamento anticolonial e à luta pela emancipação dos povos negros
Há 45 anos, em 13 de junho de 1980, Walter Rodney era assassinado em um atentado terrorista perpetrado pelo governo da Guiana.
Historiador e militante marxista, Rodney foi um dos maiores intelectuais do século 20, responsável por importantes contribuições ao pensamento anticolonial e à luta pela emancipação dos povos negros.
Seu livro mais conhecido, “Como a Europa Subdesenvolveu a África”, é uma obra de referência para a análise crítica do colonialismo europeu e para a compreensão do ciclo de dependência que foi imposto ao continente africano.
Rodney foi também um dos principais articuladores do movimento Black Power no Caribe. Sua defesa enfática do socialismo e seu engajamento nas lutas populares resultaram em sua expulsão da Jamaica e o transformaram em um alvo prioritário do governo guianês.
Juventude e formação acadêmica
Walter Anthony Rodney nasceu em 23 de março de 1942, em Georgetown, na Guiana, à época uma colônia do Reino Unido. Ele era o segundo dos cinco filhos de Pauline e Edward Rodney. Seu pai era alfaiate e a mãe costureira. Ambos participavam de atividades sindicais e comunitárias. Edward era filiado ao Partido Popular Progressista, à época uma agremiação marxista que liderava a luta pela independência guianesa.
As atividades políticas dos pais ajudaram a incutir em Rodney a consciência sobre o colonialismo, as injustiças sociais e a opressão racial. Além da exclusão das camadas populares, a istração colonial havia insuflado as tensões étnicas, incentivando a rivalidade entre os indo-guianeses e os afro-guianeses. A falta de coesão resultante da polarização étnica seria um dos fatores que atrasaram a formação de um movimento unificado pela independência.
Rodney foi um estudante dedicado, com um desempenho acadêmico excepcional. Ele cursou o ensino secundário no Queen’s College, uma das escolas de maior prestígio da Guiana, onde conquistou prêmios por seu desempenho nos debates. Agraciado com uma bolsa de estudos, o jovem ingressou na Universidade das Índias Ocidentais (UWI), em Mona, na Jamaica, onde se graduou com honras em História em 1963.
Durante a estadia na Jamaica, Rodney aprofundou suas leituras sobre o marxismo, o pan-africanismo e os movimentos anticoloniais. Prosseguiu com os estudos no Reino Unido, cursando Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres (SOAS), onde obteve seu doutorado em História Africana em 1966, aos 24 anos.
Sua tese de doutorado, intitulada “A History of the Upper Guinea Coast, 1545-1800” (“Uma História sobre a Alta Costa da Guiné, 1545-1800”), foi transformado em livro em 1970. A obra aborda a consolidação do comércio transatlântico de escravizados e recebeu muitos elogios por sua perspectiva crítica, rejeitando as tradicionais visões eurocêntricas sobre as sociedades africanas pré-coloniais.
Na Universidade de Londres, Rodney conheceu Patricia Henry, que viria a ser sua esposa e mãe de seus três filhos. Ele também integrou o grupo de estudos liderado pelo intelectual marxista C.L.R. James e foi fortemente influenciado pelo pensamento de Frantz Fanon e Eric Williams, adquirindo uma visão cada vez mais crítica do capitalismo.
Tanzânia e Jamaica
Em 1966, Rodney aceitou o cargo de professor da Universidade de Dar es Salaam, na Tanzânia. A cidade era então um dos mais vibrantes centros da intelectualidade progressista da África Meridional. Sob a liderança de Julius Nyerere, a Tanzânia buscava implementar o “Ujamaa”, uma concepção avançada do Socialismo Africano. O país havia se convertido em um grande laboratório de reformas sociais e projetos de desenvolvimento.
A experiência socialista faria com que a Tanzânia se tornasse refúgio e base de operação de vários movimentos de libertação do continente, incluindo o Congresso Nacional Africano (CNA), a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Rodney colaborou ativamente com os movimentos revolucionários e ajudou a formar personalidades que se engariam na luta anticolonial.
Em 1968, Rodney retornou à Jamaica para lecionar na Universidade das Índias Ocidentais. Inspirado pela luta anticolonial do continente africano, o historiador daria início a um importante projeto social. Ele ou a organizar atividades comunitárias nos bairros pobres de Kingston, promovendo encontros informais com os trabalhadores — apelidados de “groundings”. Também atuava intensamente junto às comunidades rastafári, um dos grupos mais marginalizados do país.
Nesses encontros, Rodney falava sobre colonialismo, racismo, exploração e exortava a organização da classe trabalhadora. Ele defendia a adoção de um sistema socialista e denunciava a política econômica excludente do governo jamaicano. Seus discursos, artigos e palestras realizados durante esse período seriam posteriormente compilados no livro “The Groundings With My Brothers”.
A atuação política de Rodney foi um dos alicerces para a consolidação do Movimento Black Power no Caribe e o projetou como um líder popular na Jamaica. Incomodado com as críticas e com a crescente influência do historiador, o governo jamaicano, então dirigido por Hugh Shearer, declarou Rodney como “persona non grata” e o expulsou do país, acusando-o de “incitar a desordem social”.

Autor desconhecido/Wikipedia
Os “Tumultos de Rodney” e o retorno à Tanzânia
A expulsão de Rodney desencadeou uma onda de protestos em Kingston — os chamados “Tumultos de Rodney”, que mobilizaram milhares de estudantes e trabalhadores. Os alunos da UWI tomaram o campus em Mona e marcharam até a residência do primeiro-ministro. A polícia jamaicana reprimiu violentamente os atos, resultando em várias mortes.
Os protestos continuaram ao longo de vários dias e se projetaram além da Jamaica. Manifestações contra a expulsão de Rodney eclodiram por todo o Caribe. Também foram organizados atos na Tanzânia, no Canadá e no Reino Unido. Os “Tumultos de Rodney” foram uma das primeiras manifestações do incipiente Movimento da Consciência Negra no Caribe e ajudaram a fomentar a Revolução do Poder Negro em Trindade e Tobago.
Após sua expulsão da Jamaica, Rodney voltou à Universidade de Dar es Salaam, onde permaneceu até 1974. Durante esse período, ele publicou “Como a Europa Subdesenvolveu a África”, sua obra mais influente. No livro, o historiador demonstra que os problemas sociais na África não são fenômenos naturais ou resultado das deficiências internas, mas consequências diretas da exploração colonial europeia.
O autor argumenta que foram os recursos expropriados da África que possibilitaram o enriquecimento da Europa e detalha as formas de exploração econômica praticadas no continente africano, desde o comércio de escravizados e da extração de recursos até a imposição de sistemas econômicos voltados à exportação — criando um ciclo de dependência que persiste no período pós-colonial.
De volta à Guiana
Em 1974, Rodney retornou à Guiana — agora uma nação independente. Ele havia sido convidado a assumir a cadeira de história na Universidade da Guiana, mas o governo de Forbes Burnham, líder do Partido do Congresso Nacional do Povo (PNC), impediu a nomeação, temendo a influência política do historiador.
Proibido de lecionar, Rodney se dedicaria às atividades políticas. Ele ajudou a fundar a Aliança dos Trabalhadores (WPA), uma agremiação multirracial que pretendia congregar os guianeses de origem africana e indiana, superando as divisões políticas tradicionais de ordem étnica em favor de organizações baseadas na solidariedade de classe.
Em paralelo à militância política, Rodney deu continuidade à sua produção intelectual. Ele escreveu “A History of the Guyanese Working People” (“Uma História dos Trabalhadores da Guiana”), livro de referência sobre a história das lutas operárias da Guiana, publicado postumamente em 1981. Também escreveu ensaios como “Marx in the Liberation of Africa” e “The Russian Revolution: A View from the Third World”, além de dar aulas em universidades da Europa, Canadá e Estados Unidos.
Entre 1974 e 1980, Rodney se consolidaria como o principal líder do movimento de resistência ao regime autoritário de Burnham. Ele viajou por todo o país, mobilizando comunidades rurais e urbanas, e publicou artigos e panfletos denunciando a corrupção e a repressão do governo do PNC. Sua habilidade como orador e a presença constante nas lutas populares ajudaram a impulsionar a influência política da Aliança dos Trabalhadores.
O assassinato de Walter Rodney
Incomodado com o fortalecimento da oposição, o governo guianês intensificou a repressão às organizações de esquerda. Os militantes da WPA seriam então submetidos a prisões arbitrárias, espancamentos e assassinatos.
Em julho de 1979, Rodney e outros sete membros da WPA foram presos, acusados de envolvimento nos incêndios que destruíram dois prédios do governo. Pouco tempo depois, Ohene Kohama e Edward Dublin, dois militantes da WPA, foram assassinados pela polícia. E o padre Bernard Darke, um conhecido apoiador de Rodney, foi esfaqueado até a morte por membros da “Casa de Israel”, uma seita que agia como milícia do PNC.
Walter Rodney foi assassinado aos 38 anos de idade, em 13 de junho de 1980. Ele foi vitimado por uma bomba que explodiu enquanto dirigia seu automóvel. Seu irmão mais novo, Donald Rodney, também estava no veículo, mas sobreviveu à explosão.
O atentado que matou Rodney nunca foi devidamente apurado. Forbes Burnham, o primeiro-ministro do PNC, era amplamente reconhecido como principal suspeito pelo crime, mas nunca foi formalmente investigado. O PNC sustentou por décadas que Rodney teria se matado para tentar fomentar uma rebelião contra o regime.
Em 2014, uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada para investigar o assassinato. O relatório final publicado em 2016 reconheceu que Rodney foi assassinado pelo Estado, mas não determinou a abertura de inquéritos criminais ou procedimentos indenizatórios.
