Horrores do nazismo: tropas alemãs destroem o Gueto de Varsóvia
Combatentes sabiam que não tinham condições de vencer o Exército nazista, mas optaram por lutar até a morte
Há 82 anos, em 16 de maio de 1943, os soldados das SS esmagavam o Levante do Gueto de Varsóvia — a maior insurreição judaica contra as forças nazistas ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial.
Varsóvia abrigava o maior gueto nazista, com quase meio milhão de prisioneiros, submetidos ao trabalho escravo e a condições desumanas. Quando os nazistas intensificaram as deportações para os campos de extermínio, os moradores do gueto organizaram uma grande rebelião.
Equipados de forma precária, com armas e bombas caseiras, os prisioneiros resistiram às ofensivas alemãs por quase um mês. Os combatentes sabiam que não tinham condições de vencer o Exército nazista, mas optaram por lutar até a morte.
O Gueto de Varsóvia
Até o início do século 20, a Polônia abrigava a maior comunidade judaica da Europa, com mais de três milhões de pessoas. Comparada às outras nações do continente, o país tinha um histórico de relativa tolerância em relação aos judeus, o que estimulou a imigração de muitas comunidades judaicas perseguidas nos pogroms do Leste Europeu.
A capital polonesa, Varsóvia, era um dos centros mais vibrantes da cultura judaica do mundo, repleta de sinagogas, yeshivas e escolas rabínicas. Sua população judaica era estimada em mais de 400 mil pessoas, representando quase um terço dos habitantes da cidade.
A invasão da Polônia pela Alemanha nazista em setembro de 1939 trouxe enorme apreensão para a comunidade judaica. O medo era plenamente justificado. Os nazistas imediatamente instauraram uma violenta política de repressão e segregação dos judeus. Os moradores judeus da capital polonesa e das cidades vizinhas foram forçados a se deslocarem para um distrito de Varsóvia istrado pelo oficial alemão Ludwig Fischer. Surgia assim o Gueto de Varsóvia, que se tornaria o maior dos guetos nazistas.
Em seu ápice, o gueto chegou a abrigar mais de 460 mil pessoas, confinadas em um espaço de apenas 3,4 km². A grande maioria dos cativos eram judeus, mas havia também grupos menores de romanis e poloneses não judeus enviados ao local por razões políticas.
Um ano depois, em novembro de 1940, os alemães iniciaram a construção de um muro separando o gueto do restante da cidade, dificultando ainda mais as tentativas de fuga.
A vida no gueto e as deportações
Waldemar Schön foi o primeiro comissário nomeado para gerir o Gueto de Varsóvia. Conhecido por seu ódio profundo aos judeus, ele seria responsável por bloquear todo o suprimento de comida para o gueto. A ação foi considerada imprudente pelos próprios oficiais nazistas, uma vez que havia a intenção de utilizar os prisioneiros como mão de obra escrava. Em abril de 1941, Schön foi substituído por Heinz Auerswaldem.
A gestão interna do gueto era feita em conjunto com o Conselho Judeu — o órgão responsável por intermediar o contato entre os cativos e os nazistas. A liderança do conselho foi entregue a Adam Czerniakow. Na esperança de salvar vidas, Adam manteve uma postura de colaboração com os alemães, o que o colocou em constante atrito com os moradores do gueto.
Diversas fábricas e manufaturas obtiveram lucro explorando o trabalho escravo no Gueto de Varsóvia. Uma das principais empresas ativas no local era a Többens & Schultz, um gigantesco conglomerado têxtil alemão que fabricava uniformes, calçados e adereços para uso da Wehrmacht. As condições de vida eram extremamente precárias dentro do espaço. Os prisioneiros viviam em habitações superlotadas e precárias e eram submetidos a uma repressão brutal.
A alimentação fornecida aos prisioneiros era inferior a 200 calorias por dia, levando à fome generalizada e à desnutrição. Doenças como tifo e tuberculose se espalhavam rapidamente devido à insalubridade e à inexistência de cuidados médicos.
Estima-se que mais de 100 mil moradores do gueto morreram de fome ou de doenças. Ainda assim, o confinamento da população judia era apenas uma etapa logística preliminar para algo ainda mais terrível — a “Solução Final”, o plano nazista que previa a eliminação da população judaica em todos os territórios ocupados.
No segundo semestre de 1942, as autoridades alemãs deram início à política de extermínio em massa dos judeus do Gueto de Varsóvia. Entre os meses de julho e setembro, as unidades da SS enviaram 265 mil moradores do gueto para serem executados no campo de extermínio de Treblinka. Outros 42 mil seriam mortos no campo de Majdanek.
Até o fim de 1942, os nazistas já haviam dizimado cerca de 80% da população do gueto.
A resistência
Os prisioneiros remanescentes logo compreenderam que os deportados estavam sendo eliminados — e não levados para campos de trabalho, como os nazistas alegavam. Cientes do desfecho que os aguardava, eles decidiram que era melhor morrer resistindo do que perecer nos campos de extermínio.
Assim, em julho de 1942, grupos de jovens judeus e militantes de esquerda se uniram para criar uma unidade armada de autodefesa, intitulada Organização Judaica de Combate (ZOB, no acrônimo polonês). Liderada por Mordechai Anielewicz, a organização exortou os cativos à luta contra os alemães e divulgou um manifesto recomendando que os judeus resistissem à embarcação nos trens que os conduziam aos campos de extermínio.
Judeus de orientação política conservadora criaram uma segunda unidade armada, intitulada União Militar Judaica (ZZW), liderada por Pawel Frenkiel. Apesar das diferenças ideológicas e dos constantes atritos, os dois grupos conseguiram estabelecer uma estratégia conjunta de enfrentamento aos nazistas.

Fotografia do Relatório Stroop / Wikimedia Commons
Em janeiro de 1943, seguindo a orientação do chefe das SS, Heinrich Himmler, que havia ordenado a deportação dos moradores remanescentes, as tropas alemãs reiniciaram as remoções. Armados com pistolas, os partisans da ZOB se infiltraram nas fileiras de prisioneiros que marchavam até os trens e iniciaram o combate contra a escolta alemã. A ação surpreendeu os nazistas, dando às demais colunas a chance de se dispersarem, frustrando a deportação.
Encorajados pela resistência dos partisans, os judeus saíram às ruas para combater os nazistas com paus e pedras. A revolta se espalhou rapidamente pelo gueto. 12 soldados nazistas foram mortos durante a ação.
Após sufocarem a rebelião, os oficiais alemães ordenaram a execução de mais de mil pessoas na praça principal do gueto como retaliação. A resistência, entretanto, inflamou os ânimos dos judeus, que se engajaram em um plano para uma grande insurreição.
O Levante do Gueto de Varsóvia
Nos meses seguintes, os moradores do Gueto de Varsóvia se dedicaram aos preparativos para a rebelião. Cavaram túneis por baixo das casas, construíram bunkers, casamatas, esconderijos e trincheiras. Também realizaram escaramuças contra os soldados nazistas e a Polícia Judaica, que era subordinada ao Terceiro Reich.
Os oficiais alemães programaram uma operação para concluir as deportações e destruir o Gueto de Varsóvia no dia 19 de abril de 1943 — domingo da Páscoa Judaica. Quando as tropas alemãs chegaram ao local, entretanto, se depararam com uma aguerrida resistência.
Os moradores desobedeceram às ordens para se apresentarem às deportações e os combatentes judeus, entrincheirados em prédios e abrigos, deram início ao combate contra os militares nazistas.
As forças da resistência somavam cerca de mil pessoas, armadas com coquetéis molotov, armas de fogo e granadas caseiras. Eles atraíam e emboscavam os alemães em ruas estreitas e nas ruínas das edificações. No combate inicial, os partisans conseguiram eliminar 59 soldados nazistas e incendiar dois blindados, forçando os alemães ao recuo.
O levante prosseguiria nas semanas seguintes, com os combatentes judeus adotando táticas de guerrilha. Mulheres como Niuta Teitelbaum e Zivia Lubetkin desempenharam papel fundamental na resistência, atuando tanto na concepção da estratégia militar quanto nos combates na linha de frente.
Durante o levante, unidades do Exército Nacional Polonês e da Guarda Popular (milícia comunista ligada ao Partido dos Trabalhadores Polacos) tentaram auxiliar os partisans judeus, atacando postos militares nazistas e tentando contrabandear armas e suprimentos.
O fim do levante
Surpreendidos pela resistência, os nazistas mudaram de estratégia. A partir do final de abril, eles começaram a incendiar e explodir as edificações do gueto, uma a uma, para forçar os combatentes a saírem de seus esconderijos.
Estando em número reduzido de combatentes, com armas de fabricação caseira, munição limitada e sem o a rotas de fuga, os partisans tinham ciência da impossibilidade de vencer a batalha. O objetivo não era, portanto, libertar o Gueto de Varsóvia, mas lutar dignamente até a morte. E assim o fizeram. A resistência dos judeus fez com que a operação de destruição do gueto, que os alemães haviam estimado concluir em três dias, fosse estendida por quase um mês.
No dia 16 de maio de 1943, após terem reduzido todo o gueto a escombros e assassinado sete mil judeus, as tropas alemãs esmagaram o levante. A fim de reforçar o caráter simbólico da derrota judaica, os nazistas explodiram a Grande Sinagoga de Varsóvia.
Cerca de 50 mil judeus que estavam no local ao término do levante foram aprisionados e enviados para os campos de extermínio. Somente 34 pessoas conseguiram sobreviver à matança no Gueto de Varsóvia. Eles escaparam através do sistema de esgoto e receberam ajuda da resistência polonesa.
