Economia solidária: organizações mundiais se articulam contra barbárie neoliberal
Fórum no País Basco reuniu lideranças de 30 países em movimento inédito que congrega governos, organizações e cooperativas; Brasil marcou presença
Estruturar um outro modelo econômico centrado nas pessoas e não no lucro, na preservação do planeta e não em sua devastação, nas ações colaborativas e comunitárias e não no individualismo predatório foi o que mais de 400 lideranças, de 30 países, defenderam durante o 1º. Fórum de Economia Social da rizmendiarrieta Social Economy Think Thank (Asett).
O Fórum foi o primeiro ato de um movimento global e permanente de transformação social, capitaneado pela Asett, que é um centro de conhecimento e desenvolvimento sustentável, fundado em julho de 2023, com o objetivo de impulsionar centenas de milhares de práticas de inovação e cooperação pelo mundo afora.
Apenas na Europa, o setor de economia social, conhecido pelos brasileiros como economia solidária, representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol e 8% da União Europeia. O esforço da Asett por sua internacionalização é, justamente, o de ampliar essa participação dentro e fora do Velho Continente.
A ideia é fortalecer experiências de economia solidaria e preparar entidades, empresas e organizações do setor para os desafios – e as oportunidades – abertos pelas transformações digitais, com sua imensa possibilidade de articulação em rede, pela transição ecológica e pelas diversas lutas de movimentos e governos contra as desigualdades econômicas e sociais.
Opera Mundi acompanhou o encontro que aconteceu em San Sebastián (Donostia), no País Basco, coração do cooperativismo global, no norte da Espanha.
Cooperativas combatem a desigualdade
No impulsionamento da economia social, a Asett conta com diversos apoios, incluindo o governo da Espanha e a Confederação Empresarial Espanhola da Economia Social (CEPES). Outro apoiador é a Corporação Mondragon, a mais importante cooperativa do País Basco, que reúne 74 mil trabalhadores, 92 coparticipantes, com presença internacional em 150 países.
À frente da direção da Asett, Iñigo Albizuri explica que o think tank tem como principal objetivo consolidar “um outro caminho econômico, não apenas focado em benefícios individuais, mas sim nos benefícios sociais. A economia solidária, o cooperativismo, a união do trabalho das cooperativas e das universidades criam um sistema melhor e mais sólido, porque as pessoas são donas dos seus negócios e cuidam deles pensando em suas comunidades”.
A economia solidária inverte, assim, a lógica do lucro individual e do crescimento sem propósito social do capitalismo empresarial, com resultados concretos para governos e comunidades locais. “Nos lugares onde existem mais cooperativas, você tem um melhor índice GINI (medidor das desigualdades). Nós não precisamos de pessoas ricas, mas sim de comunidades ricas”, disse.
O Fórum
Ao longo do evento, painéis e mesas de debates trouxeram temas como cooperativismo, inclusão social, tecnologia, sustentabilidade, comunicação, energia e água, gênero, juventude, cultura, financiamento, saúde e transformação social.
Além de personalidades, o encontro contou com a participação de organizações internacionais que apoiam a iniciativa, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Oxfam e uma rede de cooperativas, das mais diferentes áreas, que integram os esforços da Asett.
A Economia Solidária é uma economia de vanguarda que vem integrando a prática de inúmeros governos do Norte e Sul Global. Ministros e secretários de Estado ressaltaram a importância do setor no combate ao desemprego, às desigualdades sociais e para a promoção do desenvolvimento econômico, através de um outro modelo empresarial capaz de priorizar os reais interesses das populações.

Tatiana Carlotti
Vanguarda no Norte Global
“É a primeira vez que temos um Ministério de economia social”, comemorou a vice-presidente da Espanha e ministra do Trabalho e da Democracia Social, Yolanda Diáz. Sua fala foi uma forte defesa da economia social e da urgência de seu fortalecimento no enfrentamento da conjuntura de incertezas que chacoalham não só a Europa, mas todas as nações do planeta.
“Vivemos em tempos de incerteza, com crises alimentares e guerras, inclusive a crise promovida pela guerra tributária de [Donald] Trump”, destacou, ao mencionar os ataques à democracia e ao bem-estar das famílias propalado pelo avanço da extrema direita, que visa fragilizar os sindicatos e a economia social.
Diáz também trouxe o impacto da economia solidária para a igualdade entre os gêneros, um fator salientado por outros gestores públicos ao longo do evento. “A economia social é uma economia feminista”, destacou ao mencionar que as suas práticas e valores recolocam as pessoas no centro do sistema, tornando-se uma “fortaleza” para a atuação do poder público.
Segundo ela, o governo espanhol vem atuando para oferecer à população “um sistema ético de finanças na economia social, com programas de crédito destinado às mulheres, em geral, destituídas de participação nos processos de financeirização e de concentração de renda”.
A economia social não a vanguarda apenas nos governos europeus. Ela é uma oportunidade vislumbrada por diversos governos do Sul Global, com destaque para o Brasil. Com mais de 28 mil iniciativas, o país marcou presença no evento com a participação de Gilberto Carvalho, secretário Nacional de Economia Solidária do governo Lula.
Ele trouxe um panorama do setor e os avanços em curso, ao lado de autoridades do Senegal e do México, entre outras, que relataram suas experiências locais.
No coração do cooperativismo
A economia social tem forte tradição nos diferentes governos autônomos da Espanha. O País Basco é uma dessas regiões e, a partir da experiência exitosa da Mondragon, é o coração do cooperativismo global.
Em debate com representantes da Murcia, Galícia, Navarra e Catalunha, a vice-ministra do Trabalho e Segurança Social do governo basco, Eleny Pérez, destacou sobre o Fórum da Asett: “o que fazemos aqui é subversivo”.
“Todos pensam que estamos apenas discutindo, mas, na realidade, estamos demonstrando que colaboramos uns com os outros e temos interesses comuns. O que nos move é a necessidade de construir uma sociedade muito mais justa e inclusiva”, afirmou.
Ao mencionar que o País Basco tem “uma importante forma de economia social” ancorada em uma “intensa colaboração entre as unidades políticas do país, por suas diferentes instituições”, ela salientou a forte colaboração público-privada.
“A economia social está em todos os setores. Todas as famílias da economia solidária têm suas oficinas articuladas. Nosso objetivo é levá-las a acordos que realmente impactem o setor, permitindo que as políticas públicas sejam capazes de cobrir as necessidades em distintos lugares da economia social. Vivemos em um mundo em que precisamos cada vez mais colaborar e nos entender. Se isso não acontecer, destacou, é a barbárie. É condenar uma importante classe a ficar para trás”, pontuou.
Na França
A França, outro país com forte tradição cooperativa, também esteve presente no evento. Maximw Baduel, ministro da Economia Social e Solidária sa, destacou o papel político da economia solidária, salientando sua promoção “da coesão social, da solidariedade e de atividades econômicas que geram emprego”.
Ele também apontou os valores da “igualdade, da justiça e da cooperação” e a grande inovação social trazida pelo setor, que é hoje um apoio fundamental aos governos, por garantir “cidadania econômica através da execução de políticas públicas compartilhadas com a sociedade”. Em sua avaliação, é fundamental dar força e visibilidade às ações das cooperativas e das empresas familiares, para que elas possam “desenvolver o seu poder de agir”.
Neste sentido, ele abordou a necessidade de financiamento e de regulamentação no quadro do poder legislativo, de regras e políticas de planejamentos, dentro e fora da Europa, para criar as condições que permitam a instituição desse ecossistema, bem como a reformulação de políticas públicas que garantam às associações a capacidade de defenderem seus interesses coletivos de forma democrática.
Baduel citou ainda a criação de um fundo nacional para o desenvolvimento das inovações sociais para a área. Ele também lembrou que apesar da forte tradição de cooperativas e da capacidade de engajamento dos seus atores, o setor enfrenta o desafio de viabilizar a importância de suas práticas, além de que “precisa mostrar a sua força”.
